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Por que Não Uso Pírcim na Orelha

  • Foto do escritor: Álvaro Figueiró
    Álvaro Figueiró
  • 29 de jun. de 2023
  • 12 min de leitura

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Quando digievoluí de pouca-telha para sem-teto, quis mudar o visu mais ainda. Pensei em pírcim na orelha, barra cromada toda tchã, santo-antônio auricular. Não foi a repescagem fexionista o que me deteve. Foi a lição do seguinte causo. É por isto que não uso pírcim na orelha.

Ao contrário doutros congressos, onde minha contribuição se orça como 75% turista, 15% bêbado e 5% acadêmico[1], nesse de Ouro Preto – uma viagem no tempo a 1757 – assisti bonitinho às palestras que também eram viagem no tempo: ao tempo do IHGB em 1857. O ano, porém, era 2009 e eu, com 25 anos, não só tinha cabelo como até topete, que também eram viagem no tempo: aos tempos da brilhantina de 1957. Bem, mas antes que explique como voltei a 1657 e seduzi a Marquesa de Três-estrelinhas, vamos prosseguir o causo de por que não uso pírcim na orelha.

Fora das palestras sobre a projeção Eckert IV nas embalagens do McLanche Feliz ou sobre a toponímia histórica tupi-guarani do Banco Imobiliário, a semana ouro-pretana não teve nada radical: igrejas velhas, minas velhas, bares velhos, museus velhos, papos velhos, pessoas velhas. Entre os entretenimentos, veja você, até truco e sueca. E eu nem sei jogar truco. Só faltou mesmo o cigarro de palha e a cagada de cócoras.

Nada disso – nem os fósseis de amonitas! – me satisfez. Estava num bissexto momento morrisseyano – eu queria gente, condição designada na literatura como proctopiria (do grego proktos = rabo; pyr = fogo). O mocorongo andava até flertante na mesa do bar – eu que só costumo flertar com o autismo e com a depressão. Geralmente apontados para a Nebulosa Chifre em Cabeça de Cavalo ou para a Fossa das Marianas, meus olhos zoiavam uma professora da Usp que, ao tempo das amonitas, teria sido beldade. Hormônios estavam, para usar uma frase minha, “à flor da pele”. E, entre as conquistas acadêmicas, devia ficar bonito no Lattes, às vezes mais narcísico que o Instagram. Congresso Cruzmaltino-rubro-negro de Lerolerologia, Ouro Preto, 1857, Professora Pós-doutora Amonita Três-estrelinhas, Universidade Intergaláctica Central de Alpha City One, área de atuação parafilias paleontológicas, orientando sexual Alvinho Topetudo, intercurso pontinho-pontinho, duração um semenmestre (8.000 ms). Meu charme jequinaldo parecia surtir. Vendo-me tagalerar graçolas com um gringo, a uspiana, num Cadillac rabo-de-olho, lamentou que, mesmo quando casada com suíço, isso nos tempos de Guilherme Tell, nunca aprendera alemão, muito difícil.

– Difícil é a língua-do-pê! – constatou você-sabe-quem.

(Hihihihi.)

Peraí, peralá, peraê. As coisas, no seu hábito entrópico, começaram a ficar confusas. É verdade que o vinho, a cachaça e o licor de amora contribuíram. E quem bebe licor de amora não pode estar no seu perfeito juízo. O gringo era suíço como o ex. Que queria a Mis Permiano? O rapagão rockabilly de topete e costeleta? O suíço sujeito-homem lourão? Os dois? A mesa toda? O bar inteiro? (O preço do cuver incluía hidro, sauna, piscina e touro mecânico.) Queria Mis Permiano só a recordação dos mares quentes quando as amonitas arrebatavam corações trilobitas? A lembrança do Guilherme Tell farpando maçãs? Estava começando a derivar para a Nebulosa Chifre em Cabeça de Cavalo – coquetel de mé com raspas de Asperger dá nisso. Ertrinken, erhängen, erschießen, erklären… Wird man tot wegen einer Erklärung? Donde teria saído o nariz durinho da Profe Amonita, resistindo às depredações da nona idade. Anaïs Nin? Aquela atriz d’Uma Relação Pornográfica? Retrato da Madame X, de Sargent! Isso! Nariz XXX. Nariz feminino, uma das graças menos cantadas. Furem olhos – sobretudo os verdes. A funcionária do Museu da Inconfidência tinha olhos dum azul que dava choque. Também coroa, quarentona, pele jovem rosa fresca. Mas, inconfidenciemos, verde é mais bonito que azul – e é a tradição poética da nossa língua malemolente. Você percebe estar ficando velho quando a) as quarentonas se tornam atraentes; b) noites como esta causam ressaca; c) beleza e juventude se sobrepõem, especialmente para quem aos vinte anos achava todo mundo feio. Daqui a pouco, com língua malemolente tou passando cantada banguela em babá de pracinha em Copacabana. Tempus fugit. Álvaro Feigenbäumlein Graff Ertrunken von Erklärungen.

Um cochicho das cochinchinas da Via Láctea me chama.

Outra coroa uspiana, dentuça e feia.

– Você é filho do Ricardo Jacó Rabinowitsch Goldberg, professor da Usp? Você é a cara dele, o jeito de falar, o gestual.

– Até onde saiba, não. Na certidão de nascimento diz Antônio Machado Ferreira.

Resumo da serenata schönbergiana belomontina do pierrô lunático: noite sem beijo, sem sexo, sem bronha. No dia seguinte, D.ª Amonita voltou para seu escaparate no Museu do Ipiranga e eu para os bancos na Escola de Minas. Aplausos para esta brilhante comunicação sobre a cartografia dos circuitos de corrida de chapinha. Clap, clap, clap. Outra palestra sobre a evolução da semiologia cartográfica do Super Mario World. Clap, clap, clap. Bar, igreja, mina, museu, truco e sueca. Clap, clap, clap.

Após valiosíssimas contribuições científicas, para nada falar das minhas, o congresso aprofindava-se. Insisti com uns universitários mineiros com quem me enturmara para catarmos uma naite naquele penúltimo dia. A mineiritude estava cabreira. Tinha ali o Centro Acadêmico da Escola de Minas, mas, sábado-feira, diziam, só dava “nativo” e só tocava “fasp”.

– Que é que é fasp? – perguntei.

– Fanque, axé, sertanejo e pagode.

Naquelas circunstâncias, melhor faspar que fapar, quem sabe até farpar.

Venci pela proctopiria. Encaramos a naite ouro-pretana. De fato, o som era mesmo só fasp. E daí? Não tem Stravinsky nem Rimsky-Korsakoff, minha noite será embalada por Orloff. Para os colegas, era noite de sabá, só bruxa, mas para mim era noite sabática: através da escuridão, do álcool e do fasp, garimpava pepitas das Gerais. Ralou um, ralou o outro, fiquei eu. Bah! Quem precisa de companhia quando a Orloff custa quatro níqueis?

E toma-lhe Orloff, Orloff, Orloff, Orloff.

Vodca Orloff, alegria na penúria e no rega-bofe.

– Uma vodca Orloff, por favor.

E toma-lhe Orloff, Orloff, Orloff, Orloff.

Vodca Orloff, como creme-de-leite no estrogonofe.

Macho mais seduzente em toda a Serra do Espinhaço, cheguei chegando numa loirinha que trazia esse pequeno contratempo que é o namorado ao lado. Pobremas do Brasil Colônia...

– Uma vodca Orloff, por favor.

(Porque chego em mulher acompanhada, sobretudo loirinha, mas nunca deixo de pedir algo sem um “por favor”. Macho mais educado em toda a Serra do Espinhaço.)

||:Orloff:||

OOrrllooffff

Olrffo ffOrlro loffro olrfofrffffffffffffffFFFFFF

ffffff > ppppp


l o o

r f f


– Ũa foda Rimsky-Korsakoff, for vavor.

Houve uma causa racional interveniente que me fez parar com a bebedeira. Esquadrinhando os confins mais recônditos da Mente e do Universo, procurava, procurava, procurava e não achava de jeito nenhum mais quatro reais para outra dose de Orloff.

Uma menina bem branquinha, de cabelos bem pretos em chanel bem rebelde, se aproximava. Góthÿckåa! Gatchenha universitária! Me chama prà festinha gótica! Simba fetichizar, Sioux! Olá, tudo bem? Eu sou o Elvis gordão. ♪Love me, tênder de natal. Love me o piruuuuuuu.♫ Sou Álvis Jecó Rabicowitsch Schwarzgoldbloom Graff Nosferatu Ertrunken von Orloff-Orlok Presley.

Sooooooooo

Viva Las Vegas!

Apliquei aquele amavio infalível, o salto da jaguatirica combinado com a manobra de Heimilich mais o art. 219 do Código Penal, meia-lua e soco forte, mulher nenhuma resiste. Só não paguei o drinque porque não tinha mais quatro reais para outra dose de Orloff. Além de ti, Sioux das Gerais, tudo de que precisava agora era outra dose de Orloff.

Fase I completa.

Fase II em progresso. Faspar para farpar. Guilherme Arco do Teles já disparou a flecha na maçã, trajetória eleática.

Vamos subindo a ladeira rumo à casa da menina nos beleléus eleáticos. Aí topamos com o Acaso. O Acaso era pardo, vestia camisa verde, também parecia neuroquimicamente estragado e queria nosso dinheiro. Do ponto de vista sociológico, prefigurava-se ali uma luta de classes entre a pequena-burguesia ébria habitual (eu) e lumpemproletariado ébrio profissional (ele). Só na base do beiço, o zé-manguaça estava tentando arrancar meu dinheiro, façanha onde, a fortiori, malogram tantas pechinchas, saldões, leve-quatro-e-page-três, promoções-relâmpagos, cupons, rifas, amigos-ocultos, bolões e liquidações.

– Vá se foder, seu arrombado! Vim do Rio pra ser assaltado nessa roça?

Conforme as mais respeitáveis leis da química orgânica, todo o álcool etílico que consumira já havia se denaturado em testosterona, ferormônio, proteína muscular, cálcio e catuaba selvagem – fora bafo e nhaca. Minha marra não deixava de ser racional, afinal, naquele momento, eu não tinha nem quatro reais para outra dose de Orloff. A menina é que agarrava ansiosa a bolsa, o único lugar num raio de meia légua onde talvez houvesse fortuna bastante para outra dose de Orloff.

O Acaso, cansado de lidar com clientela tão sovina, desistiu de oferecer seu produto e desesperou de bater a meta. Frustrado por sua inepta técnica de venda, ele partiu para abordagem mais agressiva. Largou um socão bem no meio da cara da menina.

– Caralho! Solta a menina! – urrei enquanto desferia um cruzado nas têmporas do mercador de achaques. – Solta a menina!

A partir daí a briga entrou noutro estágio da luta de classes. Houvesse público, a torcida se dividiria assim. Os psolentos gritariam para a pessoa em situação de rua dar um revide reparativo na casa-grande patriarcal heteronormativa transfóbica ecocida representada por muá. Os bolsomínions, menos articulados mas tão burros quanto, pediriam para eu largar um tiro no zé-manguaça. Na verdade, o que acontecia ali na ladeira de madrugada eram apenas dois homens másculos explorando seus corpos. Na verdade verdadeira, cada qual explorava era o próprio corpo, porque ninguém acertava os golpes. Eu fui dar um chute, passei feito vaca, me desequilibrei e caí. O Acaso foi me dar um soco, capou por seis léguas em quadra, seguiu o ímpeto do braço e caiu. Levantamo-nos. O Acaso foi me dar uma cabeçada, tropeçou no próprio calcanhar e caiu. Eu fui dar uma cotovelada, tropecei no Acaso caído e caí também. Aproveitei que estávamos no chão, fui dar uma moca no Acaso, errei e acertei o paralelepípedo. O Acaso foi me dar um pescotapa, errou e acertou a própria nuca. Levantamo-nos. Fui dar uma banda no Acaso, mas ele já tinha caído antes e, como sou justo, caí também (e os físicos chamam a gravidade de força fraca!). Nessa luta, a única técnica marcial que faltou foi a torta na cara.

(Vixe... Esqueci da meia-lua e soco forte.)

O manguaça, sem convencer a clientela da utilidade da sua mercadoria, escafedeu-se quando parou um carro xereta.[2] Tateando pelo chão, achei meus sempre covardes óculos. A menina, quem apanhara sem bater, compreensivelmente tinha faniquitos. Com esse golão de excitação, o sexo foi cancelado. Como constatou o Prof. Glommer, “um orgasmo dura segundos; uma costela quebrada é para a vida”. Satisfeito pelo gozo porradeiro, acenderia agora o cigarrinho jurídico. Recordando das aulas de Processo Penal que matei por motivo torpe e fútil (frequentar em Uffogrado cursos como História do Roque), concluí que o Ministério Público não promoveria nenhuma investigação criminal na Corte de Justiça de Haia em meu favor. A bem da paz pública, era eu quem daria a queixa-crime contra o Numério Negídio.

Após levar a menina à rodoviária, onde o motorista de vã disse que a deixaria em casa tão logo terminasse suas cervejas (mineiro bebe pacas, não à toa a Orloff só custava quatro mangos), tentei arregimentar testemunhas da pancadaria. Um pedestre que vira o bololô, no mais mineiro dos sotaques, jurou que não era dali. Um motoqueiro apareceu e confirmou a história, mas tampouco quis servir de testemunha, pois se comprometeria com traficantes etcétera. O zé-manguaça projetava assim sobre Ouro Preto uma como sombra monolítica de Pablo Escobar, Ted Bundy, Heydrich, Mister Bison, Kid Bengala, ET de Varginha, barragem da Samarco, biscoito Torcida sabor rodoviária, primeira bufa de pacote de Cheetos em ambiente fechado e fiscal da Receita Federal. Era para ter amarrado meu cavalo no cocho da praça e espetado no peito a estrelinha caída de xerife de Blackgold Gulch.

Celular fora de área, pedi ao segurança da rodoviária telefonasse para a polícia. Disse que disseram que alguém disse que enviariam viatura. Aparentemente a viatura pertencia à Interpol. O dia raiou e necas.

Fui ao batalhão da Polícia Militar nas imediações. Eu sei, eu sei. O Brasil tem duas polícias – uma cobra caixinha com o presunto fresco, a outra no necrotério. Mofo quase quarenta minutos. Não indagam do meu estado tampouco da menina, de quem a todo instante lhes quero passar os contatos. A central telefônica da delegacia da Polícia Civil não registrou minha chamada, de sorte que a PM não poderia fazer o boletim de ocorrência. Teria de me deslocar até o outro lado da cidade. Esse outro lado da cidade era Bauxita. De novo, conforme minha experiência na Oxford fluminense, provava-se que a universidade não serve às cidades universitárias: Bauxita era universalmente pronunciada como Baucsita.

Voltei para o albergue cerca das dez da manhã e tirei uma soneca.

Acordei sem ressaca.

Vodca Orloff, melhor que boldo e Engoff.

Ressaca é coisa de velho.

Em Baucsita desci às 13:50 e trombei com um papel informando que a delegacia entre 12:00 e 14:00 não funcionava. “Deve ser para o bandido tirar a sesta”, pensei. Sob um céu que se empanzinava de tormenta, esperei mais uma hora até que vi um gordo, de alegres faces rosadas, sair sorrateiramente pela porta dos fundos. Queria fugir, mas apliquei nele o salto da jaguatirica combinado com a manobra de Heimilich mais o art. 41 do Código de Processo Penal.

– Boa tarde. Quero registrar uma queixa.

– A delegacia não abre domingo.

– Ué, e o bandido não trabalha domingo?!...?!...?!...

Oquei, oquei, este texto está firulado bagarai, mas, juro juradinho, é a vida – queria ter essa facilidade com que vocês aí mentem –; juro juradinho que, para passar o tempo, tinha um volume de contos de Kafka. Comparado com minhas últimas doze horas, o tcheco narrava os gols da rodada, era o Leo Batista da Série K-K do Campeonato Austro-húngaro 1912.

Saí de Baucsita e retornei ao batalhão policial perto da rodoviária. Outra vez, alegaram não poder extorquir a competência da Polícia Civil. Nessas horas, a lei se segue.

– Então está bem. Eu desisto. Vou ajudar as estatísticas criminais de Ouro Preto

Resposta: cara-de-cu com discreto sorriso de agradecimento. Ponto para o Aécio Neves.

Enquanto volto putaço para o Centro de Ouro Preto, corre no meu encalço uma garota de dez anos.

– Moço! Moço! Minha mãe quer falar contigo!

Enfim uma testemunha sem medo?

Alguém para me amparar?

Deixei cair algo quando passei pelas barraquinhas de artesanato?

Mais gente querendo levar no beiço meus menos de quatro reais?

Que será? Que será?

???

........................ . . . . . . . .

¿? !!!!!!!!!


! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! !

Aqui a história desanuvia, não em céu azul, mas em forro trompe-l’oeil de teatro barroco. A menina gótica gatinha branquinha de chanel revolto universitária era uma coroa quarentona – e quarentona bem baranga. A cútis branquinha era couro de lagartixa. Num dos lados da mandíbula, faltava uma queixada amarela. O xeipe não merece descrição. Só o chanel rebelde era chanel rebelde mesmo. Minha Dulcinéia del Orlofoso chamou-me para tomar umas cervejas ali mesmo ao ar livre com as colegas também coroas – a mais jovem, de longe, era uma paulistana espevitada de dezessete anos mas com uma baita pança sexagenária de barris de chope e prole. Minhas proezas porradísticas foram assaz loadas na távola plástica do Reino de Yellowskol. A ex-menina confessou que o ex-marido também batia nela. Temi que se apaixonaria por mim, o rapagão de topete e costeleta que batia nos outros por ela, paladino deste ano da graça de 1257. No meio da coroama, sem pança, com todos os dentes na boca, batendo só em homem, eu devia luzir como o He-Man soltando chispas em cima dum Gato Guerreiro tunado e com subwoofer.

Armou-se um pagodinho com subwoofer que a ex-menina foi dançar toda guenza. Tenho a vaga lembrança de, sentado no meu Gato Guerreiro plástico, ser abraçado pelas costas – o que, a depender, se conta tanto entre as melhores quanto entre as piores das sensações. Façam as equações aí. De drama a comédia e agora terror.

Enquanto bebia umas Skóis, comecei um curso de teologia à distância: o álcool é mesmo demoníaco. E imaginar que, há menos dum ano, vivera ziriguiduns com uma norueguesa, filha de diplomata, menina que, a bêbado e a sóbrio, sempre persistia nos dezenove aninhos, ela me ensinando a patinar no gelo... Essa era para ser minha vida: ingressar na elite primeiro-mundista para dissipar as trevas ibsenianas de Oslo com zoeira. Mas não. Cá estou em Ouro Preto me engalfinhado em plena rua com bêbado metido a bandido, cá estou em Ouro Preto zanzando atrás duma queixa-crime kafkaniana, cá estou em Ouro Preto a céu aberto numa tarde de domingo bebendo Skol num pagode protogeriátrico subsônico.

Vodca Orloff, desde 1960 provocando catastrofe.

O curso de teologia à distância surtiu. Tive uma epifania. Ribombou uma voz cidmorêirica dos confins da Nebulosa Chifre em Cabeça de Cavalo. Foi Deus quem pôs a pedra Acaso no meio do caminho para impedir a consumação do ato libidinoso, teologicamente descrito como foda carnal, que minhas retinas tão fatigadas pelo acontecimento Orloff não perceberam. O bandido foi o instrumento da Divina Providência. O Todo-Poderoso nos mete em briga de rua para nos redimir dos excessos alcoólicos. Bem-aventurados os que se embolam na porrada na calada da noite! Gratiluz namastê!

Nunca mais voltei a Ouro Preto. Nunca mais bebi Orloff.

E é por isso, simples assim, bebendo Smirnoff na Lapa, que não uso pírcim na orelha.


[1] E 5% de forças ocultas.

[2] O carro – e não precisa ser um Opala preto em 1973 – tem esse efeito dissuasivo na briga de rua. Poucas semanas depois desse congresso, à roda do Natal, alta madrugada voltava de carona carregando uma enorme melancia que escapara de servir como receptáculo de vodca (Orloff?) para me vasectomizar. Numa rua da Tijuca, um zé-arruela barbudinho duns vinte e blau parecia bater numa menina. O motorista parou o carro, descemos o vidro e perguntamos que porra estava acontecendo, se a menina precisava de ajuda e tals. O pleibói machochô começou a gaguejar. Puto, fiz até menção de arremessar a melancia nele – talvez tanto por heroísmo pastelão quanto para livrar meus bagos daquele peso todo. Até hoje me arrependo de não ter concluído esse gesto de denodo jocossério.

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