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Muita Coisa Errada e Cedo

  • Foto do escritor: Álvaro Figueiró
    Álvaro Figueiró
  • 4 de fev.
  • 6 min de leitura

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A primeira coisa errada que notei, a) ao ir almoçar às 11:15, era um α) comichão nas calças – mais anatomicamente, na ponta do piru. Era a primeira coisa errada do horário de almoço, mas não era a primeira vez que a coisa errada me acontecia. Por desencargo, tentei, em gesto sutil – visível só até o lado oculto da Lua – ajeitar o saco e, por conseguinte, as adjinszências. A gastura insistia, até piorava, o sarro djínsico, nenhum esfrega erótico – pele de seda, veludo, cetim ou mesmo couro de cobra com jacaré, mas nunca pele de djins. ¿Tou galicado? Aí 💡 enhahatenahmmmdi. Como diz o povo, siracusano sobretudo, eureca! De novo, estava com aquela cueca furada. Se a braguilha andar aberta, nenhuma raridade, o xarpei vai ficar com a cara no portão...

Dobro na Rua Luís de Camões e chego, b) às 11:17, ao restaurante vegetariano. Mal abro a porta de vidro, I) gritam, dos fundos:

– Suco do Álvaro!

II) O cabeça-branca com voz antiquada, Território de Foz do Piraguaçu do Norte do Sul do Leste, está sentado, como sempre, na quarta mesa à esquerda (posição relativa a quem entra). c) Borrifo álcool nas mãos, pego o prato e, perto da estufa inox, leio triste:

 

BOBÓ DE PALMITO                     MOQUECA DE BANANA DA TERRA

 

Comida baiana, a mais detestada, mesmo sem dendê. Sua melecância me faz até esquecer a penicura prepucial. Criança, fescurítico, teria engulhos. Crescer é engolir sapo – sapo amassado com leite e banana.

Bobó de palmito, pastel de legumes, feijão, proteína de soja, vatapá, caruru, acarajé, sopa de ervilha, rúcula, agrião, beterraba, acelga, cenoura, salada de alho-poró, tomate-cereja, brita, areia, areola, vergalhão, cal, conduíte e cimento, o prato chega à balança orográfico. Viro lajes no tétris da mente: castelo em naipes de nuvens, arco-íris levadiço, ilhas voadoras, fossos de lava cheiinhoss de dragões de jade. Essa atendente, ao contrário da outra, não atende aos meus protocolos e não coloca d) a comanda à esquerda entre o saquinho do talher e) (com a comissura da embalagem para baixo) e o prato nem f) o copinho plástico colorido que registra o suco pedido (abacaxi com hortelã ≅ verde-meleca-seca) no canto superior à direita. Tudo tem seu lugar – ao menos, a partir da quarta ou quinta vez.

g) Ponho a bandeja na mesa, a minha®, a primeira à direita, agora ângulo reverso. h) Tiro o chapéu com a mão esquerda. i) Sento na cadeira à direita, rente à parede, de cara prà porta (this here godforsaken town, pardner, is damn sure full of varmints!). II) O suco de abacaxi com hortelã chega junto com um copo cheio de gelo. j) Pego o copo com suco com a mão direita e verto no copo com gelo. Troco as mãos e vice-versa, coqueteleira disjuntiva. (A mão que verte sempre é a direita, a dominante, na verdade, a menas menos estabanada.) E 𝄆    𝄇 𝄎 𝄎 𝄎. k) Enfim 𝄂, o copo com suco fica no canto superior à direita, o copo com gelo ao lado, mais à direita.

l) Me levanto e, canhota na válvula da garrafa térmica, pego, seqüencialmente, dois copinhos de chá, que coloco à esquerda da bandeja, um do lado do outro, paralelos ao bordo latitudinal da mesa, a Linha Meridional do Fim do Mundo.

– Você gosta de alcaçuz? – me pergunta o dono da loja de almoço. Embora o restaurante seja vegetariano, além até, vegano, aqui e ali umas gravuras indo-ríporo-badulentas, o dono o gere tiozão: sempre com latinha de Brahma, sempre estressado, sempre zicado de saúde, pé quebrado, inchado, circulação engarrafada, bursite, sempre brigando coa patroa, sempre brigando cos funcionários, sempre brigando cos entregadores, sempre falando sobre churrasco, Vasco e pelada, sempre fazendo as mesmas piadas, inclusive sobre o chá de catuaba servido nas sextas-feiras “pra dar uma moral prà galera”. Negócios são negócios. – Um cliente pediu pra pôr chá de alcaçuz. É bem doce.

– Não sei. Nunca provei. Quando criança, tinha uma loja de doces afrescalhada no BarraShopping e comprei bala de alcaçuz. Quer dizer, meus pais é que compraram. Não gostei. Olho-grande dos desenhos-animados que nem marshmellow, a maria-mole gringa.

Jibóio a bóia, m) bebo o suco, n) vamos ao chá, numa golada.

β) – MAS É HORRÍVEL!

– É bem doce.

O segundo copinho ainda deixa uma borra verde-morte. (Bebi porque, como criptocalvinizava minha mãe, tem alguém na Índia passando fome e, presume-se, sede também. Esse maldito indiano que nunca termina sua inanição me tem feito comer e beber as maiores mongongas. Ou talvez esse indiano esteja preso num ciclo especulativo de encarnações famélicas para moralizar as crianças deste nosso Terceiro Mundo agora Sul Global menos desproteinizado, já que os livros didáticos de geografia enfim abandonaram, como atestado de pobreza (ou como diz a polissilábica, bárbara e hipócrita Defensoria Pública, atestado de hipossuficiência), aqueles mapas coropléticos, sempre em tons de amarelo e laranja, cores gordurentas, presumo, de consumo diário de quilocalorias percápita, que reforçavam a noção, escancarada por outros mapas coloridos, de que tu vivia num país bem bunda-suja, ao consumir, num doentio amarelo pálido, só 2.620–2.850 kcal/dia enquanto a Grécia, nenhum país fodão, se carregava num robusto vitaminado laranja acima de 3.480 e, pior ainda, a Argentina superava a anemia cartográfica com 2.850–3.050, resplandecendo como bochechas coradas na verminosa cara latino-americana, mas veio a globalização englobando o globo e hoje, mesmo nas mais trevosas crises humanitárias, perpetradas por geral contra o vizinho sempre quando rola ou globa, tu pode estar certo, é batata, a última refeição do refugiado vai ser um pedaço de sola e rabo de rato com Pringles ou Ruffles, enxaguado, na falta duma boa safra de água potável, tintim, por um refrescante gole de Coca-Cola.)

Mas divago – o que, durante séculos recurso retórico pontual, a partir do século XX foi elevado à estrutura narrativa como monólogo interior ou interno ou fluxo de consciência, embora já o final do Oitocentos conhecesse autores que o empregassem sem nome, como Dujardin (influência declarada de Joyce) e Schnitzler, ambos inclusive se valendo da reprodução de partituras para designar a música ouvida pelo narrador, ambas valsas se não me engano, mas que hoje foi rebaixado a piripaque psíquico que, por sua vez, estão tentando elevar a neurodiversidade, o transtorno de déficit de atenção, o agá do TDAH me escapando agorinha agorinha, embora esteja na ponta da língua ou, a bem da verdade, do dedo.


🙕DE VOLTA AO RESTAURANTE VEGETARIANO

E AO CHÁ DE ALCAÇUZ. 🙓


Jibóio a bóia, m) bebo o suco, n) vamos ao chá, numa golada.

β) – MAS É HORRÍVEL!

– É bem doce.

O segundo copinho ainda deixa uma borra verde-morte.  

o) Tiro do bolso (o frontal direito) o documento que o Governo dos Estados Unidos me expediu, um verde mais alegre, o Green Card.

– Que idade tem esse cliente teu aí? Cinco anos?

– Sessenta e cinco.

– Segunda infância. Vocês puseram açúcar no alcatruz?

– Não.

Me aproximo da cortiça e leio entre os benefícios do chá de alcaçuz: PREVINE CÁRIES.

– É óbvio que previne cárie. Te deixa três meses enjoado de açúcar.

💡, o segundo do dia, percebo uma gafe:

– Falei alcatruz... Mistura de alcatraz com alcaçuz.

Penso elaborar símiles com o presídio, barras de alcaçuz, diabéticas diabólicas tartáricas torturas, mas tomo outro esquibunda:

– Por que é tão doce? Será que tem glicose? Sacarose?

– Hoje a internete consegue responder isso.

– Verdade. Hoje qualquer idiota tem acesso à informação. Não que faça diferença. Bem, vou nessa.

11:44

– Comida baiana e chá de alcatruz. Hoje tive azar.

A cueca furada não mencionei, que continua galicando minha glande.

γ) Na rua, sob soleba braba e belzunzumbu-baticumbum das moscas, o chorume, o esgoto, a biodiversidade cagalheira de noventa e nove espécies numa só calçada, os sacos de lixo rotos exalavam um perfume, muito digestivo, de vômito frito. E, entrementes, a calça dominatrix sadomasocando meu pobre bilu.

12:05. δ) Alguém bate à porta do Centro de Altos Estudos Álvaro Figueiró, interrompendo minha pesquisa sobre uma questão que me inquieta desde 1990, isto é, quais são os padrões cromáticos além da quinta fase do Q*Bert (Atari 7800 ≻ 5200). É a funcionária da empresa que vem aqui pegar caixa e repor caixa enquanto eu nem finjo que controlo o movimento da caixa. Não vou chamar de gordelícia, porque teria de melhorar a segunda parte do composto. Por falta de telepatia, ela, ignorando meu julgamento crítico, chega com radiância de Mundo Bita:

– Oiiiiêeee, Álvaro. Boa tarde! Tudo bem?

– Óbvio que não.

– Posso te pedir uma coisa?

– NÃO TENHO DINHEIRO!

– Não. É isso daqui, ó.

Ela mostra um rolo de durex, enfiado no pulso.

– É bracelete?

– É pra colar umas caixas. Depois te devolvo.

– Tsc. É pouca coisa. (A beat.) Por isso, é raro e valioso. (A beat.) Mas pode levar.

– Você é um anjo. (A beat.) Lúcifer.

Rio, preparo um “Non serviam”, acho melhor não, que é o tipo de sacada que me faz louco aos olhos do hospício.

E o alcaçuz é horrível por causa da glicirrizina, que é cinqüenta vezes mais doce que a sucrose.

Bom é café, que é amargo como a vida e dá essa angústia de ponta de piru contra o djins.

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