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As Pequenas Alegrias da Vida

  • Foto do escritor: Álvaro Figueiró
    Álvaro Figueiró
  • 11 de dez. de 2024
  • 5 min de leitura

Atualizado: 13 de dez. de 2024



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A abelhinha se arrasta pelo chão. Tu põe um teco de bananada no piso e ela estica a linguinha. Mas já está fraca demais. A ninhada de cachorrinhos recém-nascidos, um dos quais a mãe acabou de comer a pata. ⦾ Uma maquete asteca (ou seria a Acrópole?), muito fuleira (Colgate, Fiat Lux, Omo ⋯ ), tombada na calçada perto do portão escolar. Um triciclo todo retorcido. Uma melissinha em meio aos escombros do tívoli-porco. ⦾ Um buquê de rosas, vermelhas, e dois balões de hélio cordiformes, vermelhos também, dentro dum banheiro químico, azul, amarelo e marrom. Um circo de pulgas para cinco espectadores entediados num beco de vilarejo interiorano.  Um enterro com três pessoas, defunto incluso – a única pessoa em comum.  Uma formiga entalada numa gota.  Uma joaninha capengando. Uma bala de chumbinho no olho. Uma anã chorando num quarto-de-empregada. ⊙ Gulodice demais no jamelão. Um bebê que não pisca nunca. Dois inimigos mortais trabalhando num box de informática. ◔ Um graduando em geografia trocando nomes e dados durante os quinze minutos da apresentação sobre microestados. Numa viela, cruzar com e ser ignorado pelo grande amor platônico há muito tempo não visto. Um pirata abandonado num atol. De madrugada, um barulhinho baixinho que não te deixe dormir, porque pode ser rato ou ladrão. ◔ De madrugada, um barulhinho baixinho que não te deixe dormir, mesmo provavelmente não sendo rato ou ladrão, porque não dá pra dormir com barulho baixinho. ⊙ Apalpar um pequeno calombo no seio.  Uma manchinha preta no pescoço que não pára de sangrar. Uma verruga repolhuda bem na ponta do nariz. O olho começando a cair dum lado da cara. O primeiro branco em cabelo preto. O primeiro dente permanente a desmontar da boca. ⊙ O primeiro esquecimento do próprio endereço. ⊙ O primeiro esquecimento do próprio nome. O primeiro esquecimento d_ _____________? ◔ O primeiro toco recebido com perfeito domínio da oratória pública. A lembrança, ao acordar, do grande sonho não realizado. Meio minutinho, todo dia, por setenta e seis anos. Uma nota de cem reais dentro da privada dum banheiro químico de carnaval. ⦾ Bolo da festa com gosto de mofo. ⦾ Mor tesão e o piru com cheiro de iogurte vencido. ⦾ Mor tesão e a buça com cheiro de peixaria que teve a luz cortada. ◍ Um incêndio que prometia consumir o quarteirão inteiro e até pular para casa-de-fogos, mas só destruiu o décimo primeiro andar e matou asfixiada uma velhinha qualquer.  Um galalau perneta tropeçando num clunâmbulo no esqueite. Um marmanjo com a idade mental de dois anos. Grave acidente e o único veículo próximo é um monociclo. Após a volta das férias, ruins, sobre a cama, algum animal em avançado estado de putrefação. Após a volta do trabalho, sempre péssimo, sobre o sofá, algum parente de visita, não muito estimado, em rigor mortis. No chão, vários entorpecentes ilegais. ⊙ Uma bruta brincadeirinha bruta de bruto mau-gosto. No próprio filho. A sobremesa preferida, em família, e câncer de língua. No bilhetinho de canto de caderno, remessa anônima, uma ameaça de morte. Os correios entregam, remessa anônima, a cabeça duma boneca. ● Os correios entregam, remessa anônima, um tique-taque que acabou de parar. Uma lagarta de Ostrinia nubilalis sentindo nas entranhas as primeiras mordidas das larvas de Itoplectis conquisitor. Um gambazinho que caiu das costas da mãe. ● Três semanas dum romance tão gostosinho que não resiste a uma declaração de amor. O colega de baia que só digita espancando o ênter. No selfessérvice, o encontro com o detestado maldito desgraçado demônio gordo-baleia-saco-de-areia insuportável filho-da-puta colega. Ele está imediatamente à frente na fila, pegando as últimas batatas-fritas. ◍ Estudando as cotações e os balancetes, o banqueiro percebe que sua rara declaração pública sincera fez com que esse ano ficasse extremamente difícil comprar um iate de vinte metros prà amante segunda favorita. ◔ Um número de comédia de meia hora que não faz ninguém rir. Nem à mãe do comediante, muito menos a namorada, em breve ex, que ri muito doutro número pouco engraçado pelo velho conhecido. ⦾ Uma velha boa piada que, no meio, tu percebe que não é mais engraçada. Atrás duma bola que não está lá, uma criança cracuda atrevessando a via expressa. ⦾ Enfim na sarração com seu galãzão, a gatinha começa a confirmar que ele tem mesmo micropênis.  Atravessando a passarela no domingo, uma criança traz, serelepe, três garrafas de refrigerante para a macarronada. Uma das sacolas plásticas rasga, a garrafa rola por entre as grades e se espatifa num pára-brisa que acabou de desviar duma criança cracuda atrevessando a via expressa atrás duma bola que não estava lá.  Uma mutação bem misantropa num filovirídeo ligeiro. ◍ Na oficina mecânica, o irmão mais velho instala um difusor no escapamento da motoca com o dinheiro que pegou do porquinho do caçula, quem estava deixando de comer merenda para comprar uma Enciclopédia Barsa – onde tem muita informação sobre incas, maias e astecas.  Margem pequena demais para a solução do teorema matemático e derrame subseqüente. Um estuprador precoce. Agora ele está com raiva da vítima. Após vinte anos de desejo, enfim o beijo dado. Em vinte segundos, o gosto é memória distante; noutros vinte, só sonho. Uma mendiga descobrindo que lhe deram indicação errada de distribuição de quentinha foi pra fazer maldade com o Marronzinho e roubarem a última bojudinha de 51. ◍ O punguista percebendo que o estudante no ônibus acabou de acordar. ◍ Um rodamoinho que, de longe, prometia virar tornado. ◍ Uma notícia escandalosa contra um desafeto, que, na verdade, só é um homônimo. O motorista, após ter o pára-brisa atingindo por uma garrafa de refrigerante, perde o controle do caro, mas consegue recuperá-lo e freá-lo. Não o caminhão-tanque que vem atrás. Muito menos o furgão sem licença para transportar fogos-de-artifício. ⦾ O belo sorriso da gatinha deslizando da boca durante o mamarate. ◍ A percepção de que o assassinato do rival durou muito pouco e deixou muitas pistas. No telejornal, o retrato-falado do maníaco pedófilo e assassino que vem indignando o país todo tem exatamente os teus traços/do teu marido/pai/irmão/professor/motorista da cômbi ⋯. ⦾ A macarronada de domingo sem bebida. Na macarronada de domingo, a criança que tinha de ir buscar o refrigerante não veio. ⦾ Após a longa intensa foda, a conclusão, dez segundos desda penúltima contração perineal, a conclusão, a conclusão de que era melhor se ter masturbado sozinho em casa. ◍ No hospital, após a tentativa de suicídio que redundou em tetraplegia, o paciente recebe a visita do seu principal inimigo. A ultrassonografia e a dosagem de alfa-fetoproteína revelando, na décima segunda semana, a anencefalia. Uma goteira pingando de madrugada que parece barulho de rato ou de ladrão, se não for. Um bebê prematuro abandonado numa bolsa num ponto de ônibus em San Marino. ◍ Uma execução pública cancelada em cima da hora pelo mau tempo (aviso de tornado). ● A última figurinha, álbum-completiva, que nunca vem. A abelhinha se arrasta pelo chão. Tu põe um teco de bananada no piso e ela estica a linguinha. Mas já está fraca demais exceto pra te picar. Sem saber, tu é bem alérgico. Choque anafilático, sozinho em casa. No pára-brisa da ambulância se espatifou uma garrafa de refrigerante e o único veículo próximo é um monociclo. O Chocolate fica largado e o bicho, faminto, acaba escapando prà rua.

 



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