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EFPTOZ

  • Foto do escritor: Álvaro Figueiró
    Álvaro Figueiró
  • 24 de jun. de 2024
  • 6 min de leitura

Atualizado: 24 de jun. de 2024


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Corredor prédio comercial, consultórios. Granilite. Piso feioso, rato malhado – escola, escadas, esperas. Nome sim, já. 1990, não.

Muita olhada sem vista. Cor sombras, reflexo papel contra, luz longo dia. Muita vista sem nome. Isto aqui embaixo assim feito parafuso que nem, aquela pecinha ali que coisa o treco pra dentro, esse pisofeiosoratomalhado. Tudo nome, cada parte da. 1990, presunção, fechadura, Queimados.

O mundo é feito disso, mixarias, a energia da última torção dum fiapo de fumaça. Menos até. A forca da terra molhada, 5 ppt. Menos mais. O tímpano soa a nota H2.

Miúdos, ariscos, pupilas dilatadas, nem sabem a cor – embora nada mais que o. (Fora verruga peluda, bangüela, feijãozinho, meleca rapel, câncer jantando cara, tchernobils).

O mundo é feito disso, miudezas. E ainda assim quase tudo falta. 380–750 nm, 0,0035% do espectro. A visão ceguinha 20/20 do real que é realmente o real.

Entre 30 e 50% do córtex processa visão.

Porta vidro, letras pretas. Luzes fracas. Cadeiras. Bebedouro. Bancada secretária. Duas mulheres, mãe e filha talvez, ambas velhas. Quadro          ¿a óleo? A maquininha de cartão demora pegar sinal. Luzes murchas, muito. Luzes fotófobas. Difícil ler. O esmartefone obsoletou o revisteiro. Nenhuma. 1990, tudo maior – perspectiva Brobdingnag. As paredes eram cobertas por ripas de madeira, sauna de motel barato. A porta de vidro com letras pretas orladas de dourado lembra ainda o escritório dum detetive particular nuar meio fresco. Quadro exame 1926 circa     a óleo                 como se Dr. Freud tivesse desistido de última hora da neurologia e esquecido Charcot e passado vida calma Berggasse 19 prescrevendo óculos e morto Anschluß.

Miopia, astigmatismo, coloboma de nervo ótico, campo visual subnormal, fotofobia, 50% acuidade O.D., c. 35% O.E. Não basta pro Riocard, só serve pra perder ônibus. Sorte que quase não pego mais ônibus.

Museu de manias, tevê cara colada. Puseram sobre a geladeira. De perto faz mal pras vistas. Cadeirinha ripas brancas trepado, pescoço esticado. Seropédica apertamento 1988.

– Esse menino não enxerga bem.

– É vício.

Garrafa 750 ml Heineken vazia, você sopra e ré         ré bemol          D♭4, 277,183 Hz, por aí. O mundo é feito disso. 20–20.000 Hz.

Revistas, livros, a folha resvalava no nariz, pterodáctilo rasante. Talvez isso vício. Cegueta conta-fios. Os detalhezinhos.

– Na Segunda Guerra, punham os míopes pra ler mapa, sabia, filho?

Mapas gostava, os detalhezizizinhozinhos.

– Pode ir, Sr. Álvaro.

Já Álvaro 1990, mas só, nunca inho. Quatro anos, o ofatalmo envelheceu além sobre trans. Cabelos pretos tintos, pele derredor olhos mais clara. Indistinção da idade, nipo, a fraternidade das raças e das fisionomias. 1990, devia ser mais jovem que eu hoje. A voz ainda jovem, grave, calma. Confiança apesar da tinta.

À tardinha, Guilherme cochilava no sofá. Ia abrir uma pálpebra, o globo tombando, verde vivo morto-vivo encarando cego. Vejo. O passado se vê. Campo Grande 1993.

– Bastante tempo, não?

Nos tumbeiros, às vezes todos a bordo, tripulação até, oftalmia, súbita. Tracoma, viral, não oncocercose, verminosa, mais lenta. Todos cegos alto-mar, inferno desdobrado. Imagino. Vejo. O passado se vê.

– Sim. Antes da pandemia. 2019.

Chance, tripe-trepe, abria a pálpebra de quem dormia. Olhava o olho dormido. Relembro. Não vejo. Mãe talvez.

Quase nunca quase ninguém olho a olho a vivo não consigo.

O oftalmo se levanta. Conheço sabe-a-sabe o exame. A cadeirona.

– Ah! Preciso jogar fora o chiclete.

Me um lenço de papel.

– Olhe para o ponto vermelho.

Cada sílaba ♩ 𝄽 ♩ 𝄽

Fundo da estrada, certa tridimensionalidade, celeiro vermelho no horizonte, Hard Drivin’ Mega Drive 8 mb gostava de capotar pro replei. Fora de foco, cklick em foco, fora, cklick  em. 1. Autorrefrator. O oftalmo na manete, flíper shot-em-up, cklick  cklick  cklick  Cada qual no seu videogueime. Space Invaders, ele caça as curvaturas do espaço-tempo microcosmo.  Teste Voigt-Kampff, Técnica Ludovico         ao seu jeito            também. Sempre um isto que aquilo, este nome com aquele lá, A com B por x, y e z em Δt.

O três-dê vesgo no gibi da Turma da Mônica nunca aparecia, a melancia continuava desenho. Só enjoo. Qual a? Que é três-dê? Olho de vidro não e vê. Vejo com o lado direito da cara, cima pra baixo.

1990 sem autorrefrator.

2. Foróptero/refrator de Greens preto dzigavertova, mariposa fuligem Manchester 1850 pousada na cara.

Medo equipamento. Medo médico meio médio. Que vão fazer com os olhos? O olho é o mundo e o mundo é feito disso.

Coloboma, um defeito embrionário, associa-se a alterações neurológicas e craniofaciais. Cara torta ✓ persona peculiar ✔ O córtex orbitofrontal é responsável pela adaptação social, mas os nervos óticos vão para os fundos. Uma porrada no occipício deixa cego. Sabe-se lá o certerrado deste cérebro, da mente, persona, eu

 

E

 

Tabela de Snellen. Sem-serifa, grossas, egípcias. 6 metros, 20 pés.

Óculos pra criança é cadeira-de-rodas.

– Melhor assim cklick ou assim?

– Xa ver a anterior.        cklick     A outra é melhor.

– Esta então é melhor. cklick     E esta? Fica melhor assim?

 

Z Π И Ջ E

 

– Ahm... Maior, mas mais embaçado.

cklick

– Então assim fica mais nítido, melhor?

– Aham.

– Consegue ler as letras?

– A primeira é um zê, a última é um é. A do meio é um ene. A segunda, ahm, um agá?

– Sim, é um agá. E a penúltima?


Z H N ℞ E

– Hummm, É algo embolado.              Erre?

cklick

 

Z H N Q E

 

– Ah! É um quê.

– Isso. É um quê. E agora. Consegue ler?  

 

Է Ґ O Б Π

 

– Xi... A última é um agá. A do meio é um ó.

Quando óculos, sorvete consolação. Movimentos estranhos, diferentes, como a imagem Manchete mais real que Globo. Uma bola caiu, espatifo rosa. 1990, Avenida Cesário de Melo, barraquinha da Kibon fora da Casa&Video ao lado direito (de quem vê) das Sendas, sabor morango. Paladar selvagem. Odeio morango artificial.

– Hum, quase não aumentou o grau.

Não há objetos, não há tempo, não há espaço. O é. Só parece fluir e compor-se. Todo o dicionário é redundante.

1:10.000

– Há tanto tempo não vejo um coloboma.

Outro. Pistache e uísque. Angra dos Reis 2004. Nem bebia. Não tinha visto olhos dela 2005. Esse vazio vai passar. Desespero esperançoso 2004.

– Vou pingar um colírio. Pode arder um pouco.

Desde 1990 o explicado mesmo. Gota, outra. Arde. Lenço papel

3. Retinoscópio.

– Olhe para o alto.

Hidrografia sangue.

– Olhe para baixo.

Mapas secretos.

– Para o alto.

Assim se desbravou o Vale do Coloboma.

– Para baixo.

O aquém do visto se vê.

 – Sente aqui.

– Agora é o pior.

– Não tem pior.

Banqueta, luzes apagadas, veias se dissolvem em fantasminhas pra lá e pra cá, rios em lagos.

– Encoste bem o queixo e a testa. Não mova. Olhe para a luz azul.

É sim o pior. Técnica Ludovico.

– Abra bem os olhos. Não pisque.

♩ 𝄽 ♩ 𝄽 ♩ 𝄽 ♩ 𝄽

– Olhe para a luz azul.

4. Biomicroscopia e tonômetro de aplanação. Sempre o pior. A luz azul-cobalto na esquerda, a luz branca ameaçando a córnea, lenta, alunissagem, o satélite principal do cérebro.

Não gostava de tênis, não gostava de óculos. Corria descalço, os óculos saltavam. Trepava em árvore, saltavam. Cambalhota, saltavam. Puseram correia de borracha. Quatro-olhos.

– Ele não quer usar óculos, Doutor.

– Se não usar, o grau vai aumentar. Quando você for grande, você pode fazer cirurgia para corrigir a miopia e não usar óculos. Ou usar lente de contato.

Cirurgia então apesar do. A lêiser, melhor que bisturi. Quando grande.

– Olhe para a luz azul.

Sim, é o pior.

Luzes. Fantasminhas. Come-come e as estrelinhas caindo olho fechado antes de dormir.

O ultravioleta não se vê, o infravermelho não se vê, o futuro não se vê, o passado não se vê, o espaço não se vê, o hipercubo não se vê. O cubo de Necker se vê, o triângulo de Kanizsa se vê, a tribarra de Reutersvärd se vê, o vaso-rosto de Rubin se vê, o ponto cego se vê, o efeito Tetris se vê, o tempo roubado às sacadas se vê. Uma palavra incomum no fundo da página evoca sem se ver.

– Se você não dirige, não precisa de lente antirreflexo.

O mundo plantando bananeira, a mais elementar ilusão ótica.

– Algum risco de glaucoma?

– Não. A sua pressão é muito boa.

10–12 mmHg.

– A fotofobia... Tem alguma relação... neurológica?

– É muito variável. Algumas pessoas são mais sensíveis. Algumas têm os olhos muito claros, muito azuis, e não reagem tanto. A luz também passa pela íris e mesmo assim não as incomoda.

Dobra cartolina amarela, rugosa, sombras tímidas.

 

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 – Traga os óculos para a revisão.

Sol calçada cega. Abro a longos intervalos. Pisco. O mundo é menos. Nem o corpo nem a mente foram feitos para ver tanto. Quarenta anos quase: 1.803.516,84 km 65 mm 60 qps full surround Dolby Stereo quadrifônico 4D Smell-O-Vision Hollywood mundo-cão Técnica Ludovico Sköne Oke superprodução Steven David Rogério Spielberg Lynch Sganzerla. Nem o corpo nem a mente foram feitos para ver tanto. Édipo tem ainda a memória, tem ainda a fantasia e volta a ver em sonhos. É inútil.

E entre 30 e 50% do córtex processa visão.

O passado se vê, o futuro se vê, o futuro do pretério se vê, o futuro composto anterior conjuntivo hipotético triplo do pretérito se vê.

Era melhor ter ficado cego aos cinco. 1990.

Meibômio e a lágrima plácida, paralítica, eterna, a não doída dor de ver, a carreira dos dias aquaplanando na curva.

O olho arisco cobiça a paragem doutro olhar. Banho, paz, travesseiro, noite, os olhos dela, teus olhos, o olho acordado quase dormido. O mundo enfim para fora, não para dentro.   

Mas                   não

 

Entre as memórias mais antigas,

Na treva minha mãe me mostra,

Laranja e vela, o dia e a noite.

Eu vejo.

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