Duas Barbeiragens Árticas – Andrée e Nobile
- Álvaro Figueiró
- 21 de mai. de 2020
- 12 min de leitura
Atualizado: 20 de dez. de 2020

Catarina Stephanopoulos, Ultima Thule
Cá entre nós: todo mundo gosta dum desastre aéreo. Primeiro, porque tem escala, levando nos sacos pretos uma boa centena de corpos, ou antes, os seus pedaços. (Isso quando não caem no mar, o que adiciona o elemento de mistério, farelos para os peixes abissais.) Segundo, porque é raro. Embora as colisões na Avenida Brasil continuem a reduzir o fluxo e a entornar pescoços, além dum muxoxo ou dum palavrão não provocam muita reflexão e ademais, mesmo para os mais inveterados conspiramaníacos, não permitem desconfiar de bomba ou de sabotagem (e o Zavascki? hein? hã?...).
Cada qual tem sua desgraça de estimação. Agora com coronavírus, há quem acompanhe as tabelas de infectados, mortos e recuperados com interesse por quadro de medalhas olímpico ou por grupos da primeira fase da Copa do Mundo (nessa pandemia parece que também levaremos sete a um da Alemanha). Em Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos, de Rubem Fonseca, há um personagem cujo entusiasmo ia para os incêndios. Voou até a São Paulo para assistir as chamas consumirem o Edifício Joelma. Lastimava-se não se fazerem mais grandes incêndios como antigamente. É verdade. Certas modalidades catastróficas entraram em declínio, como, por exemplo, o pisoteio. A exceção são as grandes aglomerações muçulmanas que, vira-e-mexe, fazem sapateado sobre centenas de fiéis no apedrejamento do cramunhão em Meca ou sobre as carpideiras iranianas nas exéquias dum aitolá, general ou outro figurão.
Eu do meu canto aos desastres prefiro os fracassos – mais ainda os fracassos desastrosos. Mallory escaceteando-se Everest abaixo, Scott transmutando mau planejamento em espírito esportivo no meio do platô antártico, Fawcett virando bóia de bugre atrás duma cidade com nome saído de revistinha de quadrinho. Gosto mais ainda quando o fracasso catastrófico tomou esteróides de jeguiol. Que esse sentimento seja compartilhado pelo respeitável público atesta a popularidade do “padre dos balões”, rubrica que suplantou Bartolomeu de Gusmão em prol de Adelir de Carli, uma das raras personagens deste milênio que, ao menos no Brasil, vêm resistindo à desmemória. A história da aviação é repleta de pioneirismos estúpidos, a começar pelo próprio Ícaro. Existem os casos dos aloprados plenos, como Franz Reichelt que em 1912 saltou do primeiro patamar da Torre Eiffel munido de asinhas – o mortífero estabaco, que segue uma lógica de Looney Tunes mas a física do nosso mundo, foi registrado em película, uma espécie de Faces da Morte a dezesseis quadros por segundo. Embora tais casos despertem até alguma comiseração carecem do horror que caracteriza os casos limítrofes entre a loucura e a aventura. Parando para pensar, até iniciativas bem sucedidas às vezes pecaram pela falta de bom senso, como a travessia atlântica de Lindbergh, quem, por diversas vezes durante o voo solo, cochilou. No rol das desgraças aéreas há duas que adquirem o pitoresco das paisagens glaciais: a expedição do sueco Salomon August Andrée de 1897 em balão e a do italiano Umberto Nobile de 1928 em zepelim.
O engenheiro Andrée propôs-se a fundir numa só três obsessões belepoquinas: o voo, a conquista dos pólos e a patrioteira. Na exploração polar, a mambembe monarquia dual noruego-sueca contava com pioneiros de grande quilate como Nordenskjöld, Nansen e Amundsen, quem viria em 1912 a liderar um feito ao qual nem os pinguins se atreviam: pisar no Pólo Sul. Na exploração aérea, porém, os nórdicos ficavam bem atrás de franceses e alemães. Andrée propôs sobrevoar o pólo ártico num balão. Nessa época era mais fácil surfar tubarão branco do que fazer viagem de longo curso em balão, pois não havia jeito nenhum de guiar a estrovenga, que ficava totalmente à mercê dos ventos. Era problema que intrigava os engenheiros e que acabou resolvido no originalissimamente denominado dirigível, para o que Santos-Dumont deu grandes contribuições. Mas Andrée não propunha nada que lembrasse um zepelim, mas sim um balão convencional mesmo (como aquele capitaneado pela Simony) que se manteria no rumo por meio de cordas arrastando-se pelo gelo. Entendeu a engenharia, mermão? Tampouco eu. Entendendo ou não entendendo, a suecada entusiasmou-se com a empreitada e, por subscrições, vaquinhas, doações (inclusive pelo trinitrotoluenário mecenas Alfred Nobel), levantou a dinheirama necessária. O balão Örnen (“A Águia”), em seda, foi confeccionado em Paris; o engenheiro arregimentou mais dois buchas como tripulação; e no muito além do cu-do-judas cu-de-foca arquipélago da Esvalbarda montou-se um hangar para encher o balão com hidrogênio e dar início à aventura no verão de 1896. Mas, como tantas vezes acontece mesmo com os mais intrépidos machochôs de peito cabeludo e sovaco fedorento, provavelmente diante do mar, Andrée parou para pensar, amarelou e arregou. Alegou siricoticos climáticos que o impediam de prosseguir naquele ano, lembrou que tinha deixado a roupa no varal, que tinha que catar feijão, que esquecera a carteira em casa, que era aniversário da mãe e voltou para Estocolmo. O público ficou puto. Tinha investido suas coroas e queria sua aventura, nem que acabasse em desgraça (“brincadeira de homem acaba em defunto” ensinam as vovós, talvez não na Suécia). Andrée viu-se alvo de ridículo e de fúria. Retornou à ilha de Dansk no verão seguinte. Dessa vez, não pestanejou. Tinha como?
Cortadas as amarras, o balão teve desempenho vascaíno: mal saiu, já começou caindo. Cai, cai, balão... Cai, cai, balão... À flor do mar, os balonistas livram-se dos lastros e ganharam alguma altura. Seria melhor o fiasco imediato ali à vista da praia, pois, dois dias depois, tombaram no campo de banquisas acima do paralelo onde o vento faz a curva e dá nó cego. Estavam chamando Urubu de Águia, meus louros. Só tinham voado um teco de quilômetros, quinhentos desdo ponto de partida. Até o pólo faltavam mais setecentos. Contudo o retorno para a doméstica Esvalbarda seria tudo menos fácil, pois as banquisas deslocavam-se com as correntes marinhas e no rumo oposto ao desejado. Após semanas arrastando empacados trenós com seus cacarecos, o trio praticamente não tinha saído do lugar, geodesicamente falando, uma espécie de moonwalk em esteira rolante (até eu me perdi nessa metáfora). Os trenós representavam apenas uma das muitas falhas de organização da expedição: embora o frio sueco não seja tão severo quanto o de Madureira, os exploradores não trouxeram agasalhos de peles e sim de lã. Mais lentos, mais gelados e mais molhados do que esperavam, logo as provisões começavam a faltar. Um urso polar de bobe por ali, com as suas preocupações típicas de urso polar, passou na frente dos esfaimados e o fofão levou fumo. Mais semanas se passam, o trio continuou arrastando-se sem sair do lugar enquanto o verão acabava, o inverno se aproximava e outros ursos eram abatidos. Em outubro de 1897, quase quatro meses após a partida, estavam todos mortos.
Como sabemos desses perrengues todos? Em 1930, encontraram-se íntegros, em meio aos corpos mumificados, vácuas órbitas oculares, os diários e até os negativos fotográficos. A crueldade é que, ao perecerem, estavam a poucos quilômetros da salvação, pois chegaram até a Ilha Kvit, a mais oriental da misantropa Esvalbarda. O que intriga nessa lambança mais que anunciada é a inexorabilidade de tragédia grega: Andrée teceu, em seda parisina, preta, sua própria mortalha e, quando a conta chegou, teve de fazer a única coisa que lhe exigiam: vesti-la. Era charlatão ou não? Quanto acreditou no seu sucesso? Quando percebeu que a empreitada era suicida? Como se justificar perante os companheiros de viagem? Gehard Wissmann, quem oferece um pequeno mas bom relato na sua Geschichte der Luftfahrt von Ikarus bis zum Gegenwart, compara não à toa a burlesca tragédia de Andrée à intentona de Pilâtre de Rozier em cruzar o Canal da Mancha no precoce ano de 1785, época quando balão ainda se chamava de “mongolfieira” e servia mais é para fazer saliença com viscondessa empoada de busto farto e bem decotado (ops...). (Embora velho, o livro de Wissmann, publicado na finada Alemanha Oriental, é bem rico sobre os pioneiros e ainda te dá uma interpretação marxista ortodoxa sobre a história da aviação – coisa que não se vê todo dia por aí.)
No cortejo fúnebre do trio por Estocolmo em 1930 foram tratados como heróis.
O público não estava mais puto; tivera sua aventura.
(Aqui vão minhas condolências aos ursos-polares, que levaram vários tirombaços e ainda foram acusados de matar os exploradores por uma parasitose.)
Enquanto o drama de Andrée tem certo patos psicologizante à Ibsen e à Strindberg, a catástrofe de Nobile tem algo do absurdo de Pirandello. Ao contrário de Andrée, Nobile era uma das maiores autoridades mundiais em construção de dirigíveis e também já tinha certa experiência na exploração ártica. Em 1926, participou do primeiro sobrevoo em dirigível ao Pólo Norte, a bem dizer a primeira viagem incontroversa a essa caixa-prego. Quem liderou a expedição foi ninguém menos que o próprio Amundsen, o pioneiro do Pólo Sul. O dirigível foi fabricado na Itália, zarpou de Roma e era pilotado pelo italiano Nobile, mas o comando nominal da expedição era do norueguês Amundsen, donde o nome de Norge (“Noruega”) para o aparelho. Quando os aviadores voltaram em triunfo para casa, começou a pinimba ufanista sobre quem tinha ficado na aba de quem. A Itália a essa altura estava sob Mussolini, nenhum modelo de comedimento em nada (a Noruega com Quisling anos depois tampouco seria). Urgiu-se por uma expedição tão italiana quanto uma boa retranca, uma boa briga de família, uma macarronada voadora, um gelatoaeroscafo topogigiale espresso.
Em 1928, lançou-se o italianíssimo dirigível Italia, a maioria da tripulação italiana, italianamente incumbida pelo próprio papa, italiano, de lançar uma cruz no Pólo Norte, para salvação das almas imortais das focas, estas apátridas e provavelmente atéias. Agradando a romanos e a vaticanos, o Italia prometeu e cumpriu, despejando no pólo a tricolor nacional e a cruz cristã aos gritos de alalà, o anauê carcamano. Missão cumprida (o pólo é mermo frio pacas, galera), por conta dos fortes ventos contrários sugeriu-se desistir da tornaviagem à base na Ilha do Rei, na nossa conhecida e aconchegante Esvalbarda, e seguir reto para o Canadá, que prà frente todo vento ajuda. Noves fora, resta um, divide por três, eleva ao cubo a raiz quadrada do logaritmo neperiano de menos um, simples, bora prà Esvalbarda! Resumo da ópera-bufa: o motor queimou combustível à beça peludeando contra a ventania, as engrenagens começaram bichar, o navegador embananou-se com a bússola, o piloto enfiou-se no nevoeiro – o zepelim perde altitude, perde altitude, perde altitude, cai, cai, balão. Ai, ai, ai, vai baterrrrr!
Mas, segura a onda, maestro; é uma ópera: o cabum precisa de coloratura.
No impacto, o dirigível rasgou todo ao meio, inclusive a gôndola dos tripulantes. Mais leve após o impacto – né, Dr. Arquimedes? –, a metade posterior do zepelim foi estilingada aos ares, arrastando consigo parte da gôndola com seis tripulantes ainda vivinhos da silvassauro e assim ficaram à deriva no ar, afastando-se, afastando-se, afastando-se... Como a Taça Jules Rimet ou a poupança na Era Collor, nunca ninguém mais viu. Dos dez tripulantes (ou onze, dependendo como se conta Titina, a cadelinha de Nobile) que colidiram no gelo, só um se apresuntou no choque (graças ao nosso bom Papai-do-céu não foi a Titina).
Recolhendo-se entre os destroços comida enlatada para mês e meio, uma tenda que pintaram de vermelho para facilitar o avistamento aéreo, armas, munição, madeira para fogueira e sobretudo um radiotransmissor, as chances de resgate pareciam bastante razoáveis, até porque os sobreviventes não se presumiam muito distantes da base. Trataram logo de enviar um SOS com a localização estimada. E toma-lhe SOS. SOS. SOS. ...---...
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E toma-lhe SOS. Mas passam os dias e ninguém responde na estação receptora a bordo do navio Città di Milano. Três tripulantes decidem fazer a viagem a pé para buscar socorros, a mesma estratégia desesperada a que Andrée teve de recorrer por falta de melhor escolha. E toma-lhe SOS.
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Sem nenhuma pista sobre a localização dos acidentados, sem sequer saber se estão vivos, os noruegueses organizam buscas aéreas no escuro a partir da intrépida Esvalbarda. O próprio Amundsen foi voando atrás do colega italiano, mas desapareceu, sumiu, escafedeu-se, vaporizou-se, foi trocar um lero com Scott, esmilingiu-se, tomou Doril, ninguém nunca mais viu (como a Taça Jules Rimet etcétera, etcétera). Só quase um mês depois da queda, a tenda vermelha pela primeira vez é avistada por avião, que lhe arremessa víveres. Organiza-se o salvamento e o primeiro a ser removido é o próprio Nobile. Entretanto o heróico aviador sueco, ao retornar para mais resgates, também passa a integrar o clube ártico dos corações solitários, pois o seu avião, para falar na linguagem técnica, escangalhou. Com tantas zicas e avarias, zeraram com o estoque de aviões da pujante Esvalbarda, a voadora. Entrementes o povo da tenda come carpaccio de urso polar, manda SOS, tem caganeira, manda SOS, sofre de fotoceratite, manda SOS e tem caganeira e tem caganeira. Uns quinze dias depois, aterriza ou antes ageliza outro piloto sueco, que só resgata o seu compatriota Capitão Boing – e o resto que se lasque por lá, brincadeira de homem acaba em defunto, volto quando permitirem as condições climáticas, quando der praia, se agasalhem bem, arriverderci, beijinho, beijinho, tchau, tchau. Exceto por Titina, está todo mundo bem bolado.
E o trio andarilho? Tira um que já morreu, os dois continuam pela banquisa tipo o Brasil: três passos adiante, quatro atrás. São avistados por um monoplano do Krasin, quebra-gelo soviético destacado para o resgate dos decaídos fascistas pequeno-burgueses. Perto dos jubilantes italianos, pousa no gelo o teco-teco marxista-leninista-stalinista-antitrotskista. Más notícias, izviníte, továrishchi: a joça do Junkers G 24 não quer pegar no tranco e eis mais um bombeiro que, nesse iglu de Circe, subiu na árvore e virou gatinho. Brincadeira de homem acaba em defunto. Mangalô, pé-de-pato três vezes! Que expedição encruada, oh cabrunco! Mangalô, pé-de-pato três vezes! Mas a Mãe Rússia ouviu vossas preces em ondas hertzianas e logo-logo-ufa o quebra-gelo soviético encontra os três desgarrados e, quiçá com o faro pela cor revolucionária, a própria tenda vermelha. Esse Krasin quebra não só gelo, mas também urucubaca e, sem naufragar, consegue aportar na deliciosa Esvalbarda, a nova Taprobana. Basta de desgraça. Basta de SOS. Basta de caganeira. Ninguém suporta caganeira. Em tempo, cinófilo leitor, após muita farra no gelo, muita focinhada em lata vazia, muita latida contra urso polar, a mascote Titina sobreviveu e voltou sã e salva para Roma. Foi o dono da foxterriê quem voltou à Cidade Eterna com o rabo entre as pernas. Titio Mumu não quis nem saber duma expedição que, em vez de trazer glória, teve de ser trazida pela União Soviética – vovô Tatá só não esfregou as mãos, porque estava mais preocupado em esganar o Trotsky (inter plurima alia). Nobile foi esculachado na imprensa e até a bordo do Città de Milano que o levava para casa. Foi reputado calça-frouxa por se deixar resgatar em primeiro lugar e abandonar a equipe numa tradição digna de “Vada a bordo, cazzo!” (a bem da verdade, na queda Nobile fraturara várias costelas e estava, para falar na linguagem técnica, todo fodido). Por seu canto, o explorador não entendeu as razões de o navio italiano não ter recebido ou prestado atenção às freqüências de rádio que os acidentados enviavam.
A fim de se defender, já no ano seguinte, em 1929, Nobile publicou memórias da cagança-com-ousadia sob o escamoteador título L’Italia al Polo Nord (seria como psicografarem o Sena num Ímola Passo a Passo.) A narrativa do general peca por patrioteira e por ocasional incongruência entre arroubos onde se esperaria certa frieza e frieza onde se esperaria fortes emoções: por exemplo, durante a queda do zepelim, a nonchalance de Nobile é de quem assistisse a um amistoso de porrinha. Mas o explorador ártico de poltrona tropical ficará encantado com minúcias sobre equipamentos, instrumentos científicos, víveres, planejamentos, picuinhas entre a tripulação, especificações técnicas (o lastro tinha 300 kg de água com glicerina e 70 kg de areia, sabias?) e travessuras de Tititna.
Tanto a catástrofe de Andrée quanto a de Nobile viraram filme, tragicinéfilo leitor, nenhum dos quais, presumo, muito conhecido nem estritamente fidedigno aos fatos. The Flight of the Eagle, seu título em inglês, é uma produção sueca de 1982, trazendo no papel de Andrée o ubíquo Max von Sydow enquanto The Red Tent é uma co-produção ítalo-soviética de 1969, com Sean Conery numa pontinha de Amundsen (gosto da consistência de Conery: interprete ele almirante submarino lituano, espião inglês, explorador ártico norueguês, sempre o sotaque será uisquemente escocês). A fotografia de ambos é espetacular, pois as cenas árticas não foram rodadas à brinca em estúdio e sim à vera em confins gelados. Hoje a opção seria pela confortável e tosca computação gráfica. No filme sueco até a boa parte que se passa nos interiores burgueses e fabris tem uma luz muito bonita – aliás lembra bastante Fanny e Alexander, do mesmo ano de 1982 e no mesmo espírito da época de abusar no difusor. The Red Tent, livre dos difusores, insiste em vários tiques inusitados, como closes em ângulos holandeses em contraplongê, mas os movimentos fluidos de câmera e ainda por cima em tomadas em grande angular, uma virtual impossibilidade antes da steadicam, explicam-se quando se lê a ficha técnica: o diretor foi o geórgio Kalatazov, o mesmo caboclo responsável pelo visualmente impressionante (e só isso) Soy Cuba. Quanto ao enredo, as coisas não vão tão bem em nenhum dos dois.
The Flight of the Eagle não esmiúça a coisa mais fascinante na expedição Andrée: o próprio Andrée. The Red Tent é tão trapalhão quanto as trapalhadas árticas de Nobile. Basta dizer que se estrutura em volta da premissa tribunalícia dum idoso Nobile sendo julgado pelos fantasmas do passado em seu apartamento em Roma (com vista para o Coliseu para não deixar dúvidas sobre o local, que o espectador poderia pensar ser Varre-e-Sai ou Quatis). O filme sueco também tem uma pieguice com os encalacrados aventureiros recordando suas mais-que-tudo, mas The Red Tent abusa ao inventar uma trama lateral que envolve a paixão duma enfermeira com um dos tripulantes do Italia (eu sei que todo mundo em 1967 gostava de ver a Claudia Cardinale na telona – e nós em 2020 também – , mas sua presença é puro enxerto).
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P.S.: Falei tanto em “banquisa” e “urso polar”, então aguardem a sair em breve a minha música De Banquisa em Banquisa (Urso Polar) que não tem nenhuma dessas palavras, pois não tem afinal palavra nenhuma, mas é bonitinha, meio Royksopp, meio Sigur Rós, meio Portishead, produzindo assim uma obra que atinge uma unidade e meia de arte.
(Isso não é propaganda; é informação.)
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