Deu Galho – Ödön von Horváth
- Álvaro Figueiró
- 20 de jun. de 2020
- 23 min de leitura
Atualizado: 15 de ago. de 2023

A pandemia coronaviral serviu para demonstrar que os avanços na medicina cavucaram os bátaros da morte. E não me venham dizer que é a secularização a responsável pelo cagaço terminal, pois são religiosas algumas das pessoas com mais medo da Parca que conheço, inclusive julgando razoável, ao menos no mundo das idéias, cujo ingresso não custa nem um centavo de dinheirinho-mabel, dilapidar o patrimônio familiar com parente no papo do urubu em vez de optar pela eutanásia, rápida, límpida e módica. Não conheço ninguém da minha geração que, como meu pai, teve em criança de carregar caixão de coleguinha. Criança hoje só morre de bala perdida. A morte tornou-se abstração. Dá até mote para ficção científica, uma humanidade futura que na prática assegurou a imortalidade, mas por uma zica qualquer, talvez sistêmica, se vê às voltas com a atroz possibilidade de ter Dona Átropos, a telegrafista, de volta ao batente.
Quanto a mim, meu temor é antes de tudo a morte súbita e estúpida, tipo quebrar o pescoço ao me esticar da cama para pegar o celular no chão. Uma vez num temporal, do nada fiquei cego e surdo ao mesmo tempo. Tinha caído um raio perto o suficiente para me chocar sem interferir na minha voltagem. Sai correndo (como se isso alterasse as chances de ser atingindo por raio). Mas tem gente que morre e morre de raio, então sai correndo. Outra vez, um galho de amendoeira-da-índia de quinhentos gigatons desabou dois cagagésimos de segundo após eu passar sob a árvore.
Ödön von Horváth morreu assim-assado em 1938 em Paris.
Não com um bombástico galho de amendoeira-da-índia, que elas não vingam em Paris, mas dalguma espécie igualmente mortífera.
Esse canoro nome Ödön von Horváth, além dum morto por galho caído em Paris em 1938, designa também um dramaturgo e romancista húngaro de expressão alemã. Nasceu em 1901 em Rijeka e, como o perspicaz leitor já deve ter notado, morreu em 1938 em Paris de galho caído (literal e metaforicamente). Sua origem e percurso são tão embolados quanto o Império Austro-Húngaro, pátria do nosso querido Prof. F.-W. Glommer. Sua cidade natal, então carcamanamente chamada Fiume mas pertencente ao Reino da Hungria, foi incorporada à Bota após a Primeira Guerra e, após a Segunda, passou para a Iugoslávia, que já se esmilinguiu, e hoje fica na Croácia, trocando de time mais que o próprio Túlio. Um ano após nascer, Horváth estava em Belgrado, em 1908 em Budapeste e passou a infância e adolescência ricocheteando pela Kakania. Pode ser essa ciranda imperial e real a responsável por sua opção lingüística, mas, à guisa de tantos magiares da sua geração como Lukács, Károly Kerényi e Arnold Hauser, talvez preferisse Horváth escrever em alemão na consciência de que o idioma, comparado com o húngaro, é intelectualmente tão acessível quanto uma boa videocassetada.
Na nossa lusosfera cavernícola pouquíssimo se traduziu Horváth, ao menos a tirar pela base de dados da Biblioteca Nacional, da BN portuga e do Real Gabinete. Bem verdade que calha de a BN cinelandesa não contar sequer com as suas próprias publicações (tem o mérito administrativo de ainda não ter pegado fogo, tesconjuro, magalô, pé de pato três vezes, vade-retro). Para não ser injusto com nossos antolhos lusófonos, reparo que ignora Horváth o único aparato crítico condizente que disponho aqui no meu quarentenário Covil (Der deutsche Roman im 20. Jahrhundert, século XX que só vai até 1967, de Werner Welzig). Tampouco estou longe de ser grande entendedor de Horváth – a bem dizer, não entendo de pê-ene de nada, talvez algo sobre ovo rosa –, mas breve comentário sobre alguns de seus livros talvez tenha valia, até porque o húngaro escreveu uma joinha esquecida no escrínio de Dª Literagilda, a ex-vedete, hoje broaca cheirando a talco suado, outrora por muitos cortejada. Discutirei brevemente três romances (Schesunddreißig Stunden, Der ewiger Spießer e Jugend ohne Gott) e uma peça teatral (Geschichten aus dem Wiener Wald).
1. Schesunddreißig Stunden (“Trinta e Seis Horas”) é apropriadamente denominado, pois a história se passa num dia e meio em Munique. A unidade temporal e espacial, de fazer delícias ao aristotélico, provavelmente decorre da prática de Horváth como dramaturgo e este ser seu primeiro experimento no romance. Tem como cerne uma desempregada, Agnes Pollinger, e, em boa parte, suas estrepolias sexuais presentes e pretéritas (o deflorante advogado tem de remover do sofá um processo[1] sobre aborto!). Contudo o romance, curtinho, cento e blau páginas, adquire amplidão sociológica insuspeita por quatro macetes, que andam juntos e misturados: o papo-furado, a anedota, a biografia e a reiteração.
Poucos romances captam inteligentemente a essência do papo-furado. Por paradoxal, o diálogo literário, com suas pretensões ao natural, acaba mascarando o ilogismo, as baboseiras e os saltos que se podem manifestar quando registrados em discurso indireto livre. O mais eloqüente de nós passa 99% do tempo falando assim feito um cachaceiro emaconhado, mas a filtragem desse caos, ao menos para fins artísticos, permite estabelecer os liames duma mundivisão, que, afinal, poucos somos capazes de articular. A título de exemplo, no carro com Agnes, o motorista pleibói passa a viagem numa arenga contra os pedestres que revela menos suas preocupações rodoviárias do que as sobre estratificação social, direito e justiça, propósito do Estado.
A anedota, contada pelos personagens ou narrada em forma de biografia, permite a remissão a eventos alheios ao tempo da ação, enquadrando a experiência pessoal com os grandes eventos. O exemplo mais cômico é a correlação dos casos de gonorréia no pintor Lachner com a história recente da Alemanha: estouro da Primeira Guerra, gonorréia; debacle do império guilhermino, gonorréia; hiperinflação, gonorréia; etcétera, gonorréia.
A biografia ou antes a vinheta biográfica é empregada para traçar um retrato de personagens secundários e no mais de todo irrelevantes à ação. Assim o burguesão Gustav Adolf não passa do cunhado duma amiga da tia da protagonista mencionado inicialmente apenas porque parou de falar com sua colateral por discordâncias políticas, mas essa é a deixa para se dissecar em três ou quatro páginas a radicalização da classe média. Sempre tentando conformar-se que o filho único não morreu em vão nas trincheiras flamengas, Gustav Adolf acompanha os sucessivos magnicídios da República de Weimar indo do horror pela barbárie aos rojões de esperança de matarem a politicada toda. Nesses pequenos detalhes se entrevê a catástrofe nazista ali na esquina, estribilho na obra de Horváth. Às vezes as biografias encadeiam-se: quando um dos personagens principais vai tomar sua cerveja, conhecemos a vida duma prostituta que por sua vez se encadeia com a biografia da patroa da birosca.
A reiteração de palavras e mesmo frases, que num autor posterior como o austríaco Thomas Bernhard reproduz neurose, aqui sintetiza padrões comportamentais, moldes conceituais ou uma rítmica de transformações. As mudanças na perspectiva política do burguesão Gustav Adolf se fazem contra oito curtos parágrafos cuja lógica é a mesma: “Quando Liebknecht e Rosa Luxemburgo foram assassinados [...]”, “Quando Kurt Eisner foi assassinado [...]”.[2] O desfecho do romance é dominado por Mistvieh (“bostalhão”, “bosteiro”, “merdeiro”, mas dá pra traduzir também por “fi da puta”), que aparece vinte e duas vezes em quatro páginas, isso se não contei errado. A palavra assim martelada é a forma conceitual de como o mundo deve ser lido para um personagem desiludido, que levou bolo no seu segundo encontro romântico com Agnes, quem o trocou pelo automotivo pleibói.
Nenhum personagem é apresentado como heróico, ou seja, bem como as pessoas são, inclusive as que praticam atos heróicos. Ao relatar a boa ação que o pianista da birosca fez – mero telefonema para indicar alguém a emprego –, vem a zoada: “Até a Vovó [a dona do estabelecimento] ficou emocionada, mas quem ficou mais emocionado de todos foi o nobre pianista.”[3] O tom geral é, de longe, mais irônico, senão cômico, do que trágico apesar de várias pinceladas sombrias.
2. Schesunddreißig Stunden só se publicou postumamente e um supercondensado do material foi aproveitado nas duas partes finais de Der ewige Spießer, de 1930. Literalmente significa “O Eterno Filistino” ou “O Eterno Pequeno-burguês”, mas, como em alemão o Judeu Errante se chama Ewiger Jude, para conservar o paralelismo o melhor seria traduzir por “O Filistino Errante” ou “O Pequeno-burguês errante”, o que se coaduna com as andanças dum dos protagonistas. Antes que aproveitado o material foi desperdiçado, pois este romance é inferior a Schesunddreißig Stunden, ótima prova de que amiúde o artista é seu mais impróprio crítico. Agnes Pollinger é duplicada em Anna Pollinger e sua sexualidade mais liberal desemboca no meretrício: o que fora frio estupro no romance anterior vira aqui o frio primeiro michê. O bolo romântico que o desempregado Reithofer tomara de Agnes converte-se numa transação comercial de calçada mal-entendida que o leva a convidar ao cinema uma presumida paquera e torrar em vão seus últimos vinténs.
Pelo menos o grosso do romance foca-se num personagem novo, Alfons Kobler, parte gigolô, parte trambiqueiro. O gigolô, de vinte e sete anos, comia, bebia e tomava banho no palacete duma antiga cantora de ópera, já cinqüentona, que, todavia, tinha pudores de pagá-lo em troca do sexo; o trambiqueiro tinha de se virar, vendendo calhambeques. Provando que a lábia e a malícia do vendedor de carro usado é fenômeno tão antigo quanto o abacaxi automobilístico, Klober consegue desfazer-se dum ferro-velho e levanta a inaudita bufunfa de seiscentos marcos. Certo aristocrata, que não tem um só tostão a ponto de afanar lenços, conta a Klober o causo dum conhecido que, com merreca, foi para um espá tirolês, hospedou-se em hotel de luxo, seduziu ricaça egípcia e tornou-se dono das próprias pirâmides. Nosso trambiqueiro do amor, gigolô dos calhambeques ouve o coro serafínico: vai encontrar a sua egípcia na Exposição Universal de Barcelona de 1929, aquela mesmo do Pavilhão Alemão, a maquete do Palácio da Alvorada. No trem rumo à Catalunha, trava amizade com Schmitz, jornalista múltiplo e intelectual capenga (“Como austro-húngaro nascido em Ujvidék [Novi Sad], possuía colossal talento lingüístico e, por conseguinte, dominava todas os idiomas da extinta monarquia dual, mas, por conseguinte, nenhum deles com perfeição”).[4] O jornalista vai cobrir a Expo e tenta converter o outro passageiro ao credo do pan-europeísmo. A viagem de trem vai oferecendo aos olhos provincianos e bitolados de Klober vistas sobre a Suíça, o Tirol do Sul em processo de italianização forçada, a Itália fascista, os bordéis marselheses, Barcelona e enfim a Europa todinha na feira, sempre, claro, através da miragem da cobiçada egípcia. Sintomaticamente, na Exposição Universal, em vez do pan-europeísmo, perante os pavilhões com artigos coloniais franceses e britânicos, perante os couraçados espanhóis, Klober tem surto de recalque nacionalista.
O tom é satírico, senão mesmo burlesco. Há passagens realmente hilárias: a aparição do noivo americano da cobiçada egípcia é descrito em termos quase geopolíticos, ecoando a derrota da Alemanha na Primeira Guerra, ou ainda Klober confundido numa estação italiana a plaqueta do banheiro, “Latrina”, com o nome do local. Além da sua demanda do santo golpe-do-baú, o filistinismo de Klober revela-se nas platitudes – nos Alpes pergunta-se “Que é o Homem ao lado duma montanha?”[5] e a comparação realmente o assombra – e seu intelecto tacanho é realçado pelo contraste com Schmitz. Quando o jornalista tenta debater feminismo, nosso ex-gigolô sai-se com esta: “O problema da mulher não me interessa, só me interessa é a mulher!”[6] Mas o próprio Schmitz é capaz de idiotices como “Aqui em Marselha surgiu a Marselhesa.”[7] Outra expediente de deboche é o endosso pelo narrador das categorias que os personagens usam para enquadrar os outros: quando se teme que um passageiro seja espião, ele vira o Espião; se alguém é chamado de Darling, ele vira o Darling; a própria mulher que Klober seduz no trem é inicialmente identificada como a egípcia e logo depois, pois se conversa em francês, como Allemagne. Há toques mais sutis na sátira como, quando Schmitz prenunciando uma nova guerra mundial mais sanguinária ainda e ardentemente desejada pelos próprios alemães, acrescenta o pitoresco detalhe do filatelista que bordejava de preto todos os selos das colônias perdidas no armistício de 1919. No entanto, Horváth sabia também imprimir horror e mal-estar, o que veremos com mais clareza em Jugend ohne Gott. Em Der ewiger Spießer o episódio mais representativo nesse sentido é o da tourada, rotineiramente antologizado. Traduzi-o ao fim deste artigo. Para o resto da tradução, só espero o depósito bancário pela tua casa editorial, ó Schwarcz, ó Sônia Machado Jardim!
3. Geschichten aus dem Wiener Wald (“Histórias do Bosque de Viena”) é a peça mais conhecida de Horváth, estreada em 1931. A começar pelo título idêntico a uma das valsas de Strauss, a obra é grande pastiche satírico do clichê bonachão que o vienense, o carioca da Europa, criou de si mesmo. A ação é perpassada por fragmentos de valsas e marchas por Strauss (pai, filho, irmão, primo, cocounhado, cachorro), pelo Salieri das valsas Carl Michael Ziehrer e por outros especialistas na dance music para anágua, casaca e coturno. Nunca se trata de música incidental, mas diegética; mesmo quando fora do palco, as didascálicas mencionam banda, velha tocando cítara, piano num apartamento. Os próprios personagens vivem entoando cançonetas ou trauteando. Além desse pastiche musical, que por si predispõe a certa leveza, satiriza-se no fundo o gênero peso-pena do Volksstück, o equivalente austríaco, Deus me perdoe, da chanchada. A peça decorre numa sucessão de cenas que deslocam espaço e tempo, agora sim para horror do aristotélico, como a segunda cena do segundo ato que dá um salto dum ano. Tal caráter episódico é refletido metaficcionalmente no terceiro ato pelo recurso da peça dentro da peça ou antes do cabaré dentro da peça. Não será gratuito que uma das grandes crises dramáticas decorra dum dos quadros encenados no cabaré. Entretanto, ao invés da atmosfera leve dos Volksstücke, onde o mosquitinho do mal só irrompe para ser abatido com um borrifada de flite, estamos em plena crise econômica de 1929, cuja palma catastrófica o nosso querido Covid-19 está aí querendo arrebatar.
Tudo o que, à primeira vista, implicaria bonomia desmascara-se no seu inverso. O dono da lojinha de reparo de bonecas repudia a filha amasiada; o simpático estudante de direito irrompe em saudação nazista num noivado; a vovô octogenária, embora preocupada com o próprio enterro, deixa janelas abertas para matar o bisnetinho de berço com golpe-de-vento, mortífero ao menos pros europeus; o noivo enjeitado está disposto a perdoar a fujona, desde que o bebê fizesse a gentileza de morrer (como observaria Jordy, “c’est dur dur d’être bébé”). E tem coisa que nem à primeira vista implica bonomia: o ajudante de açougueiro observa com gozo homicida a menininha que lhe criticou o chouriço. Não bastasse esse xou de escrotidão e antipatia, Horváth destrunfa ainda um dos seus truques recorrentes: alguém não só se prognostica nova guerra mundial como por ela clama.
Os espaços tampouco são poupados. Como a lhe indicar o caráter farsesco, o Danúbio quase sempre é qualificado, quer pelos personagens, quer pelas próprias didascálicas, como “belo e azul”. Imagina-se não um rio, mas uma longa tira de papel-lamê. E o desenlace trágico dá-se naquela tão decantada várzea do belo Danúbio azul, o Wachau. Na crítica à bitolice da pequena-burguesa, há o recurso sutil de se sobreporem idéias corriqueiras, cujo confronto acaba demonstrando a bobajada de ambas. O noivo abandonado comenta, cheio de profundidade, que “A mulher é um enigma, Havlitschek. Uma esfinge.”[8] Como o açougueiro chegou a essa conclusão? Levou as cartas da noiva a três grafólogas e cada qual lhe deu uma interpretação totalmente diferente... Similis similibus curantur. Hoje não tenta tanta gente espremer a realidade dentro dum léxico de meia-dúzia de palavras por força duma história ou duma sociologia totalmente mistificada? Memamerda.
4. Eu te fiz esperar, leitor, mas enfim te digo que Jugend ohne Gott é a tal joinha esquecida no escrínio de Dª Literagilda. Foi publicado em 1937, obviamente fora da Alemanha nazista e da Áustria clericofascista. Para nossa língua, há tradução publicada em Portugal em 2009 como “Juventude sem Deus”, cujos excertos estão neste linque aqui. Eu sei que esse título “Juventude sem Deus” no Brasil soa atroz, coisa que o Datena falaria dum de-menor estuprador de asilo de pracinhas, mas logo explicaremos o que se esconde aí
O romance abre com um professor de ginásio, a escola de elite na germanofonia, corrigindo redações sobre “Por que precisamos ter colônias?”, tema exigido pelas autoridades pedagógicas. Emulando o truque das distopias em obliterar alfanumericamente o indivíduo (p. ex., Nós de Zamyatin), hoje clichê, na época ainda não, os alunos são identificados, de cabo a rabo, tão-só pela inicial do sobrenome. As redações amalgamam os chavões que a propaganda nazista fuzila pelo rádio, mas um dos alunos, N., consegue exasperar o professor pelo racismo que exprime contra os negros. Ao devolver os trabalhos em sala, o professor restringe-se prudentemente a comentar aspectos gramaticais, estilísticos e ortográficos, mas, mesmo assim, não se furta a um esbregue contra as opiniões de N. No dia seguinte, quem aparece lá aparece na escola? O pai de N. para bate-boca com o professor. Dois dias depois, o diretor do ginásio recebe denúncia formal contra o profe. Embora o diretor se declare pacifista e concorde com o professor, confessa-se incapaz de defendê-lo publicamente, pois está às portas da aposentadoria e teme perder a pensão integral. Que pensa o professor desse cagão? Isto: “É bem justo, pensei.”[9] Ao voltar para a próxima aula, o amado mestre recebe abaixo-assinado por toda a classe exigindo sua substituição. Enquanto o professor dá chilique, percebe que um dos ginasianos lhe está taquigrafando. E olha que estamos só na página 22 dessa edição que começou na 11.
Já pressinto gente aos sassaricos aí do outro lado do monitor com alegria masoquista exclamando em silêncio ou talvez até a plenos pulmões “bolsomínions!”, “ovos da serpente!” e “Escola sem Partido!”, mas é estupidez querer equiparar ambas as formas de estupidez, a estupidez fascista da década 1930 e a estupidez clubística que grassa no Brasil há uns vinte anos. Isso daria pano prà manga do gigante do João de Pé de Feijão, mas basta dizer que a comparação avilta o valor cognitivo de “fascismo” e “fascista”, que hoje se empregam, junto com “comunismo” e “comunista”, com a mesma inconseqüencia com que, na minha infância, se chamavam aos amiguinhos de “filho da puta” e “arrombado”. Quem quiser, julgue-me parecido com o diretor da escola.
A maestria do romance não está na crítica política, o que no caso do nazismo não requeria inteligência muito superior ao dum caroço de abacate e teria tornado a obra mera contrapropaganda, útil e vital entre 1933 e um pouco além de 1945, mas ela está sim no tratamento multifacetado do indivíduo perante as conseqüências de calar e de falar a verdade, mesmo a subjetiva. Todo mundo quando se pensa transposto para regimes infernalmente injustos e brutais acha que a reação natural seria denunciar, espernear, combater, tacar bomba, pagar com a própria vida; esquecem-se de obstáculos como a segurança do bom emprego, o aceno duma aposentadoria, a vista pela janela, a conversa na calçada, o chope na esquina, a moleza de mimetizar os mimimis da mídia e os murmúrios da massa, medo miúdo, mimada mediocridade. Em abstrato todos somos heróis. (E a maior parte das pessoas que se concebem como heróis só fazem tolete atrás de tolete.) Como diz o narrador numa das suas muitas hesitações, “Lieber Brot, als tot”, literalmente “Antes o pão que morto”, poética ou pseudoproverbialmente “Melhor pão que caixão”. E telegraficamente confessa “Também sou covarde”.[10] Assim, no aniversário dum Hitler subentendido, após vergastar contra a fuleirice maníaca dos desfiles e das janelas enfeitadas com bandeirolas, eis que o professor revela ter também desfraldado a sua suastiquinha. Em entrevista a jornal, o professor não se furta a repetir tintim por tintim o psicótico nhenhenhém do regime e explica certo homicídio como “uma ocorrência isolada lastimável, uma recaída no pior que havia nos tempos liberalóides” enquanto a reportagem conclui, aliviada, tratar-se da “irrupção excepcional dum individualismo criminoso”.[11] Mesmo figura de maior autoridade do que o professor, como o juiz que preside o processo criminal, também se cala quando ouve com desgosto uma testemunha vociferar opiniões racistas. Não só por receio se faz a adesão ao regime, mas também com eventual prazer, afinal o professor se diverte entoando com os alunos canções marciais.
Homicídio, juiz, testemunha – que crime é esse?
O crime é o nó narrativo. Não à toa, num romance que explora o apego e desapego à verdade, o vago ar detetivesco calha muito bem. Para usar a terminologia do policialesco, progredimos rapidamente do whodunnit (quem matou?) ao courtroom drama (o julgamento) e daí ao howcatchem (como capturar o culpado?). Sem querer bancar o estraga-prazeres – no desejo sincero de que o leitor vá ler o livro –, registro que um dos alunos é assassinado quando a turma vai acampar como prática aos exercícios militares (quem tem mais de quatorze anos já pode atirar, hurra!). O homicídio é o desfecho – meio imprevisível, meio previsível – duma série de delitos, colusões, omissões, confissões pipocadas, mentiras covardes, mentiras nobres, mentiras brancas. E o processo judicial embola-se mais ainda com falsas confissões, falsos testemunhos, advogados de defesa tentado passar o bobinho para outrem, promotor com sangue nos olhos, réu todo trabalhado na ilusão amorosa. Só quando o professor, numa literal epifania, pois ouve a voz de Deus exigindo, com uma objetiva cavalice que é 50% Jeová veterotestamentário, 50% Seu Manuel da Padaria, que, após o juramento, se fale a verdade, nada mais que verdade, tão-somente a verdade, é que a trama de mentiras começa a desfiar-se. E, pondo em xeque sua neutralidade processual e pondo em xeque-mate sua carreira, o professor vai lá e revela tudinho o que viu e o que fez no acampamento. As tramas de mentiras desfiam-se para tecer o garrote do professor. Será que ele escapa?
Faltam-me elementos para determinar se a irrupção de Deus na obra deve ser entendida no sentido teologal para além da equação, explícita no livro, com a verdade, termo demodê ensinam-nos os pós-modernos que, por um milagre diário, ainda conseguem amarrar seus cadarços. Em obras anteriores, Horváth tacara vitríolo contra os vitrais da Igreja, que, no seu espaço austro-húngaro e baixo-alemão, vem a ser a católica. Naquela hora trevosa de 1937, teria o autor revertido à fé como única saída? O simbolismo cristão é freqüente: o crime ocorre na Páscoa, ironicamente a festa de ressureição; há uma confrontação metafísica com um padre sobre os desígnios de Deus e da Igreja neste nosso escrotonésio mundo; e, plebanus ex machina, o bonachão padre reaparece para oferecer uma chance ao professor de recomeçar a vida no ultramar, numa missão na África, tornando plena sua identificação com o outro, o negro, que se anunciara já no primeiro capítulo e no próprio apelido que ganhara dos alunos. A primeira conexão entre Deus e verdade se faz quando o professor pondera sobre um quadro da crucificação na casa do padre, detendo-se no centurião que reconheceu Jesus como divino e, mesmo assim, ficou de bico calado, do contrário perdia a pensão num resorte da Récia ou balneário da Dalmácia. Após a confissão no tribunal, a mãe do assassinado grita-lhe para temer Deus, mas a consciência do professor, por ter falado a verdade, está tranqüila: “Não, não temo mais Deus.”[12] Portanto a “Juventude sem Deus” não é a do Datena, mas a “Juventude que Despreza a Verdade”. Essa interpretação fica mais clara quando se considera qual tipo de verdade cobiçava o curioso ginasiano T. Isso aí é muitíssimo mais atual que bolsomínion e Escola sem Partido.
Pronto, falei.
E sirva-nos de advertência uma das frases do professor de geografia e história: “A Terra ainda é redonda, mas as históricas ficaram quadradas.”[13] Hoje, como se suspeita até da gorduchice do nosso planeta, espero que as histórias não se tenham tornado puntiformes.
Bora falar dum tema mais ameno, rapeize? Bora falar de estilística? Bora. Quem não gosta de estilística?
– E gramática e ortografia, né? – acrescenta o sacana N.
Como a narrativa é em primeira pessoa, pelo professor, aquilo que poderia soar como moralizante passa a integrar o próprio drama psicológico do protagonista. Essa mudança de perspectiva narrativa, creio, permitiu a Jugend ohne Gott assumir dimensão expressiva que nos romances que analisamos antes se pedia um pouco na sátira. Como vimos, reiteradamente o professor admite sua hipocrisia, sua covardia, sua hesitação, defeitos que, num narrador em terceira pessoa, senão com a arte dum Flaubert ou Henry James em apagar a si mesmo, podem induzir ao riso fácil. Mas, justamente por acompanharmos a tibieza moral como drama, é que a confissão no tribunal, a decisão em expor a verdade justo quando isso equivalia a expor a si faz o romance entrar na esfera do sublime e lhe confere uma das suas cintilações de joinha.
O tempo principal da narrativa é o presente, o passado irrompendo nas reminiscências que se fariam nos eventos recentes, quase na forma dum diário mental. Essa escolha, embora possa ser considerada monólogo interior muitíssimo aguado, quadra com a conflitiva busca pela verdade, o que obviamente se diluiria na retrospecção a partir dum ponto fixo quando todas as causas e conseqüências já seriam bem conhecidas (Sherlock Holmes só funciona porque Watson está verbalmente sempre perdido in media res). As cenas de maior intensidade dramática são compostas por vários períodos simples, absolutamente conotativos, curtos e estremados em parágrafos. O resultado é próximo à sucessão de imagens do cinema. Citemos um exemplo, enfático inclusive nos verbos e mesmo advérbios que tratam da visão:
Todos o observam.
Ele corre os olhos por nós e olha sua mãe.
Encara-a. Que se passa dentro dele?
Aparentemente nada.
Sua mãe mal o vê.
Ou só parece isso?[14]
Ou estes:
A noite cai e outra vez fico subitamente com medo do meu apartamento.
É tão vazio.
Continuo andando.
Vou ao cinema?
Não.
Vou ao bar que é baratinho.[15]
Ao realismo tripé-no-chão, há toques expressionistas como o alfinete da gravata dum esquisitão que tem forma de caveira e cujas órbitas acendem luzes vermelhas ou as várias referências a peixes e seu olhar inexpressivo. A propósito, esses dois exemplos assinalam outra meada que perpassa o romance e entrelaça-se com o fio principal da busca pela verdade: a visão. O curioso T. tem olhos de peixe segundo o professor; segundo T., ele teria olhos de corça, o professor é que teria olhos de peixe. Um bom tema para os caça-publicações: inventariar quantas vezes os vários verbos de visão aparecem no texto. Rende estrelinha no Lattes, hein? Por motivos que não consegui racionalizar aqui, tais toques expressionistas me recordam muito Alfred Kubin na sua vertente literária e, mais ainda, Gustav Meyrink. Capítulos há que vão além e são oníricos (p. ex., Der Dreck e Das Gespenst).
À primeira vista o romance filia-se a uma tradição de literatura desencantada com o Homem e não há melhor forma de negar Rousseau do que retratar o adolescente e mesmo a criança como capeta literal. O mais famoso exemplo desse tipo de ficção deve ser a robinsonada retrógada de Lord of the Flies de William Golding. Mas Horváth não parece postular tendência inata de maldade, antes reflexo do desarranjo social que seus tempos viviam. Ademais o autor procura mitigar um pouco a imagem da juventude sádica em três episódios: o primeiro, meio sentimentalóide, a morte do mais miudinho dos alunos que contraíra um pneumonia num jogo de futebol e, moribundo, pede para que lhe tragam o goleiro do seu time; o segundo, psciologizante, é o diário de Z. onde descreve a desengonçada paixão, as desengonçadas carícias e as desengonçadas transas que tem com uma menina bicho-solto e ladra; e o terceiro, o clubinho de ginasianos que se formou para discutir livros proibidos no desejo sincero de entendê-los e não zombar deles.
Esse último episódio é um dos grandes deslizes do livro. Como a maior parte das gemas, Jugend ohne Gott também tem suas jaças. O clubinho, que ajuda o professor a investigar o principal suspeito do homicídio, tem algo dos Baker Street Irregulars, isso quando não da Turminha Galak. É só uma das notas otimistas que vão nos cadenciando do tom menor para o acorde final maior, bossa-nova demais. É sacanagem querer julgar a obra para além do momento quando foi feita, como se o artista fosse o vate no seu sentido etimológico, mas, perante tão braba e bruta barbárie, a pugna pela verdade resolvendo-se em emigração soa vazia. Infelizmente a história provou que a extirpação do nazismo, que resistiu até o último cartucho, não dependeu de fibra moral, mas de tanques, aviões, bombas, coquetéis-molotoves, cidades arrasadas, Berlim no chão, milhões de mortos. Lido na clave fora da história, porém, o valor do romance permanece. Chamem o Harold Bloom para explicar melhor.
Meses depois de publicar Jugend ohne Gott, os nazistas colocaram Horváth na lista de escritores proscritos. Embora o romance tenha sido sucesso internacional, o futuro para o autor era duvidoso. Suas peças não eram mais encenadas na Alemanha há algum tempo e a grana minguava. Não teve tempo de se afligir com a Segunda Guerra e a queda da França graças ao galho parisino.
Walter Benjamin suicidou-se na fronteira franco-espanhola; Egon Friedell atirou-se da janela quando a SA o vinha jantar em Viena; Zweig engoliu barbitúricos junto com a esposa em Petrópolis, aprazível e fresquinha cidade do País do Futuro; Marc Bloch foi capturado lutando pela Resistência francesa e de historiador virou história.
É, às vezes é melhor morrer de galho.
Tradução do Capítulo 23, I Parte, Der ewige Spießer
HORVÁTH, Ödön von. Der ewige Spießer. Suhrkamp: Frankfurt, 1980, 6ª ed, pp. 89-91.
O que a Espanha tem de mais espanhol? Obviamente a tourada, em espanhol corrida de toros – sobretudo Rigmor mal podia esperar.
A arena das touradas tinha enormes dimensões e era ainda maior quando se considerava que só Barcelona conta com três dessas arenas gigantescas. Ainda assim todos os ingressos estavam esgotados, devia haver uns vinte mil espectadores e Schmitz conseguiu três ingressos para lugares na sombra só por meio de cambista.
Os espanhóis são um povo fidalgo e caminham em passos bem pausados com seus cinturões tradicionais e agradáveis sapatos brancos. Até mesmo nos sanitários escrevem “Cavalheiros” em vez de “Senhores”, tão orgulhosos são esses espanhóis. Cada qual parece ser o seu próprio Dom Quixote ou o Sancho Pança.
Junto ao portão principal Schmitz notou o açougue, aqui os cadáveres dos touros da véspera se venderiam como bife. Uma ostensiva presença policial assegurava paz e ordem.
Dentro da arena tocava uma retumbante banda e a entrada solene dos senhores toureiros começou pontualmente. “Você vai vivenciar lá algo estupendamente histórico” lembrou-se Kobler das palavras do sujeito do Renascimento em Verona. E era mesmo um espetáculo colorido. Os senhores toureiros apresentaram-se diante das autoridades nas tribunas de honra e cumprimentaram-nas com cerimônia de rigor.
E então apareceu o touro, um pequeno touro preto andaluz. Ele já estava atiçado, pois tinha uma faca espetada no dorso e isso era conforme o figurino. Na arena surgiram agora três senhores com casacos vermelhos e sem armas. Aturdido pela luz do sol repentina, o touro estacou por um instante, então notou os paletós vermelhos e embarafustou na direção deles, mas os senhores fintaram galhardamente o desengonçado touro. Estrondoso aplauso. Rigmor e Kobler também aplaudiram. O touro ficou à espreita. Parecia que só agora se apercebesse de que algo de mal o aguardava. Lentamente foi retornando ao sombrio curral, mas de novo o enxotaram dali. Então cavalgando entrou na arena um senhor, o seu cavalo precisou ser conduzido por dois senhores, pois era cego, um velho, magro rocim, envelhecido na servidão. O senhor sobre o rocim carregava uma lança longa e, graças a todo tipo de artimanhas, o touro foi atiçado contra o rocim, que se tremia todo. Enfim o touro chegou tão perto que o senhor com toda força pôde enfiar a lança no dorso do touro e numa parte bem sensível. Naturalmente agora o touro atropelou o rocim e naturalmente os outros senhores fugiram. O desesperado rocim cego também tentou fugir, mas o touro lhe rasgou o bucho, no que o touro visivelmente pareceu cair nas graças do público, pois todos ficaram muito entusiasmados. Enfim o touro deixou para lá o rocim, no que alguns senhores vieram despejar pazadas de areia no bucho esburacado do moribundo para que a arena não se sujasse de sangue. Então entraram na arena outros três senhores e cada qual trazia em cada mão uma lancinha enfeitada na parte de cima com fitas coloridas e na de baixo com anzóis. Com elas, duas duma só vez, os senhores espetavam o cachaço do touro e isso devia machucá-lo atrozmente, pois, apesar de todo o seu peso, ele pulava tirando do chão as quatro patas, girava e estorcia-se, mas não conseguia desprender as lancinhas por conta dos anzóis sagazmente projetados. Seus movimentos grotescos despertavam verdadeiras saraivadas de gargalhadas. Estrondoso aplauso. E subitamente havia um senhor sozinho na arena. Era o toureiro supremo, o matador. Ele tinha um pano de vermelho berrante, atrás do qual escondia a espada que deveria desferir o golpe mortal no touro, ele era em suma a própria Morte. Essa Morte tinha movimentos muito confiantes, pois se tratava dum ídolo do público. Com firmeza ia-se aproximando da vítima, mas o touro não o atacava, já estava fraco com tanta hemorragia e com tanto tormento. Agora que via a Morte aproximando-se, apavorou-se. O matador visava-o bem de perto, mas o touro o ignorou e foi cambaleando devagarinho de volta ao curral e o público o vaiava e o xingava por não querer brigar com a Morte. Com um movimento elegante, o matador revelou a espada e os vinte mil espectadores calaram-se expectantes. E eis que nesse silêncio tenso se ouviu alguém chorar – era o touro, triste e abatido. Mas inexoravelmente dele se aproximava a Morte e ela bateu-lhe bem forte com o pano nos olhos marejados. Então o touro se recompôs outra vez e disparou na direção da espada. Da boca jorrou-lhe o sangue, deu uma cambaleada e desabou com terrível olhar cheio de reprovação.
Mas agora o público ficou extasiado, centenas de chapéus de palha arremessados à Morte. Schmitz estava indignado.
- Mas isso é puro Lustmord! – exasperou-se. – Esses espanhóis excitam-se com o massacre dum animal nobre, útil! Já passou da hora de eu escrever meu artigo contra a vivisecção! Foi bem bom termos a guerra mundial, porque nós somos é uns bichos! É abominável, a Liga das Nações tinha que proibir isso!
Em Kobler o efeito da tourada foi totalmente diferente. Pois, ora veja, o torero é um homem respeitado e tem uma profissão rentável, pensou ele. Sem dúvida é uma nojeira, mas ele é recebido pelo próprio rei e todas as mulheres ficam no seu encalço. E em Rigmor o efeito da tourada foi totalmente diferente. Ela teve um medo ansioso de que algo de ruim acontecesse a um dos senhores toureiros, mal podia olhar a tourada como fosse ela também um pobre animal perseguido, por isso ela preferiu fincar os olhos em Kobler para não ter de olhar para baixo e daí derivou para outros pensamentos.
– Gostaria se eu fosse torero? – perguntou ele.
– Não! – exclamou ela temerosa, mas logo sorriu cheia de graça e achegou-se mais ainda a ele, pois lhe viera à mente algo indevido.
Nota do tradutor: Horváth não usa, senão excepcionalmente como em matador, o léxico da taurimaquia, o que seria afinal de se esperar para observador da Europa Central. Reproduzi, portanto, esse olhar desentendido ao traduzir, p. ex., kurze Lanze por “lancinha” quando o objeto designado é claramente a banderilla ou, como infelizmente também podemos dizer em português, “bandarilha”.
Lustmord é um termo cheio de significação para o período conturbado da Alemanha de Weimar e é recorrente nos escritos de Horváth. Trata-se do homicídio em que o gozo sexual depende da violência. Sob a rubrica de Lustmord, o arquétipo é Peter Kürten, o Vampiro de Düsseldorf, mas o artífice mais célebre, avant la lettre, permanece o incógnito e aparentemente insuperável Jack, o Estripador.
[1] “Os autos dos processos!” esbraveja, ajustando os suspensórios e o barrigão, o Desembargador Eunésio Frieiras.
[2] “Als Liebknecht und Luxemburg ermordt wurden”, “Als Kurt Eisner ermordet wurde”
[3] “Selbst die Großmama war gerührt, aber am meisten war es der brave Pianist.”
[4] “Als geborener Öserreich-Ungar aus Ujvidék hatte er ein kolossales Sprachtalent und beherrschte infolgedessen alle Sprachen der ehemaligen Doppelmonarchie, aber infolgedessen leider keine ganz perfekt”.
[5] “Was ist der Mensch neben einem Berg?”
[6] “Die Frauenfrage interessiert mich nicht, mich interessiert nur die Frau!”
[7] “Hier in Marseille entstand die Marsellaise.”
[8] “Das Weib ist ein Rätsel, Havlitschek. Eine Sphinx”
[9] “Das ist recht fein, dachte ich.”
[10] “Auch bin ich feig”.
[11] “Dieser Mord sei ein tiefbedauerlicher Einzelfall, ein Rückfall in schlimmste liberalistische Zeiten”, “nur ein Ausnahmefall, der ausnahmsweise Durchbruch eines verbrecherischen Individualismus”
[12] “Nein, ich fürchte mich nicht mehr vor Gott.”
[13] “Die Erde ist noch rund, aber die Geschichte sind viereckig geworden”
[14] “Alle sehen ihn an. / Er blickt kurz hin und erblickt seine Mutter. / Er starrt sie an – was rührt sich in ihm? / Scheinbar nichts. / Seine Mutter schaut ihn kaum an. / Oder scheint es nur so?”
[15] “Der Abend kommt, und ich bekomme plötzlich wieder Angst vor meiner Wohnung. / Sie ist so leer. / Ich gehe fort. / Ins Kino? /Nein. /Ich gehe in die Bar, die nicht teuer ist.”
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