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Apedrejando Jesus

  • Foto do escritor: Álvaro Figueiró
    Álvaro Figueiró
  • 18 de out. de 2022
  • 5 min de leitura

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Quando a estátua do Cristo Redentor foi eleita uma das sete maravilhas do mundo moderno, debochei que se tratava só dum boneco gigante do Comandos em Ação no móvel mais alto da casa. Como a maioria dos meus vaticínios, ele era profundamente injusto e verdadeiro. De fato, o Cristo Redentor não tem aquele botão nas costas pra dar chute.

Encarapitado como continuação em pedra-sabão dos granitos do Corcovado, o Cristo Redentor combina também com o concreto da cidade lá embaixo. O Rio tem um dos mais ricos patrimônios ardecôs e o Cristo é a maior estátua ardecô do mundo. Vários estilemas estão lá: a desproporcional verticalidade, equilibrada pelos braços abertos; o panejamento geométrico na porção inferior; a assimetria óbvia e invisível; o rosto estenografado no sereno.

É uma bela estátua.

Minha admiração por ela cresceu mais ainda conforme fui conhecendo outros cristos megazordes por aí. O primeiro rival foi em Balneário Camboriú. Cegueta, não identifiquei o treco circular que a estátua segurava enquanto estendia a outra mão lá no alto duma colina: parecia um chapéu de caubói emborcado. Pra mim ficou sendo o Cristo Boiadeiro. Tem rodeio no Novo Testamento? Minha educação cristã foi tão boa quanto a que as meninas afegãs recebem do Talibã. É Cristo Boiadeiro então.

Embora o catolicismo seja a maior seita terráquea (para lástima do Talibã), choca como quase todas as estátuas monumentais do messias (pace judeus, para quem Jesus foi impostor) parecem menos obras devocionais (discordam os protestantes) do que blasfemas (como já julga o Talibã).

Se você tiver a perspicácia textual duma salsinha, perceberá logo que os títulos das estátuas abaixo conduzem a fotos. Mas eu sei, só por freqüentar este blogue, que a tua perspicácia está pelo menos no nível dum cheiro-verde e você fará bonitinho o trabalhinho de casa de cotejar minhas minuciosas descrições com outros exemplares fotográficos, sem deixar de se admirar: “Nossa, como esse sujeito só diz verdades e injustiças!”

Cristo de Havana, Cuba. Anterior à Revolução Cubana, erguida em 1953, a estátua de vinte metros de altura foi transportada na mala dum DeSoto Firedome que atravessou os Estreitos da Flórida após ir buscar a encomenda nos Estúdios Walt Disney, que acabara de descartar um protótipo do Jaffar, engavetando por quarenta anos a produção de Aladim. Se você prestar bastante atenção, verá um alfanje e o Iago voando ao redor.

Cristo-Rei, Świebodzin, Polônia. Não rei qualquer, mas rei alto-medieval, senhor dos melhores charcos, chiqueiros e charnecas de Grayskull. Concretamente ele só tem uma coroa arturiana, mas você pressente a espada ensanguentada numa mão, o pernil na outra, uma ou duas belas donzelas esperneantes na garupa (fora os prisioneiros de guerra na retaguarda a serem sacrificados a Odin).

Cristo do Outeiro, Espanha. O cristianismo – religião de paradoxos – sempre gostou da figuração sadomasô de Jesus malhado feito Judas. Aqui o nazareno é uma lebre nas agonias terminais de mixomatose. Claramente o milagre da multiplicação do pão e do vinho falhou. Jesus não tem nem forças para levantar os braços. Esqueça o Jesus bonitão no estaile de estrela de roque progressivo. Se roqueiro, esse Jesus só pode ser o Thom Yorke.

Lux Mundi, Monroe, Ohio, Estados Unidos. O que o Cristo do Outeiro tem de biafra, este tem de banha. É o único cristo pançudo que conheço. Quando o vi de prima, até pensei que rolara sincretismo com Buda nestes tempos ecumênicos (a estátua data de 2021). Olhando mais de perto, percebi que o modelo foi Bukowski, a começar pela barba enxovalhada. A pose sugere menos um abraço fraternal do que um agarrão pela bunda vem-cá-pro-papai. Jesus ouviu a campainha, acabou de sair do banho, enrolou-se numa toalha (a cair no devido momento) e foi receber a gatchenha. É o Cristo farrista; o Cristo que prefere salaminho a pão, cerveja a vinho (mas bebe dos dois); o Cristo que sai prà naite com seu amigo mais jovem, o Cristo do Ifcs (ver abaixo). Cristo não morreu e, em verdade vos digo, está se aprochegando dos quarenta. Prometeu festança.

Na mesma localidade pelo mesmo escultor, havia antes um Cristo Afogado, ou, como queria o artista, Rei dos Reis. Dentro dum laguinho, Jesus alçava os braços com a calma de quem tem a flutuabilidade duma âncora de ósmio. É de se presumir que esse Jesus andava sobre a água como o Coiote Coió andava sobre despenhadeiros. O pai de Jesus Cristo de Nazaré – que é um ex-PM muito brabo – ficou tão puto com o desrespeito que, após refrescar a memória nas receitas do Velho Testamento, tascou um raio na estátua desdo seu Opala celeste.

Sagrado Coração de Jesus, Roxas, Filipinas. É Jesus tomando um perdeu e ainda assim levando dois tiros no meio da mão por xis-nove vacilão do PCC (Primeiro Comando de Canaã) contra o CP (Comando Pilatos). Toda colorida, a estátua só não foi instalada numa igreja mineira, porque o realismo das feridas não chegava a feder e porque faltou o cabelo natural: o mega-hair só descia a três metros e Cristo chanel é avacalhação.

Cristo do Sagrado Coração, Rosarito, México. É o Cristo estudante do Ifcs. Ele desceu à Terra, mais precisamente em Visconde de Mauá, num disco-voador para nos passar mensagem de astralidade, vender miçanga e estudar os clubes de suingue suburbanos a partir duma perspectiva lacaniana. Nos tornozelos, não dá pra ver, mas se infere um monte fitinha do Senhor do Bonfim e colar de conchinhas. Ele gosta de tocar Belchior na flauta-doce e acha que sabe cantar. Sempre deseja bom dia a tôdis. Galã como todo Jesus que se preza, pega muita mulher nas chopadas. Ele bordou uma mandala no peito e é sempre por aí, numa conversa-mole, que começa a cantada. Não é tão rato na sinuca como o seu parça Jesus Bukowski, fatorial no curso de história.

Cristo-Rei, Cali, Colômbia. Clara cópia do carioca, mas sem as sutilezas escultóricas. Além de bigodaça ao feitio bandoleiro, é um Jesus careca-cabeludo e não há nada mais desprezível que careca-cabeludo, exceto talvez orelha peluda, cabelo-chanel e crimes de guerra.

Cristo Redendor, Maratea, Itália. Aqui, ao menos, tentativa diferente, os braços abertos sugerindo abreviadas asas, a desproporção vertical bastante expressiva. Contudo a execução, mesmo em mármore de Carrara, sugere papel-machê. O rosto tem dureza maníaca, algo de estátuta minóica pescada após séculos de fundo do mar.

Cristo-Rei, Almada, Portugal. Num primeiro momento, a cara chapada poderia remeter a um riporonga, mas a estátua data de 1959 e pode ser creditada como outro crime do salazarismo. Retropropulsado à galega por um pedestal de alvenaria, Cristo é um Sputnik, ou melhor dizendo, um Explorer nos albores da Era Espacial.

Cristo de Ozarks, Arkansas, Estados Unidos. É a contraparte construtiva daqueles metaleiros noruegueses que queimam igreja. Até eu, praticante da religião natural (ateísmo), acho essa estátua desrespeitosa, um gesto de perversão de Saladino. Na verdade, ela não só ofende os cristãos, mas a espécie humana por troçar da nossa habilidade em manipular o espaço tridimensional. O Cristo de Ozarks é uma das mais feias esculturas produzidas desdos começos da última Era Glacial. Ele consegue ser mais feio que o chaveiro do Baby da Família Dinossauros doente terminal de verminose que vendiam no Mercadão de Madureira (tão feio que fiquei com vergonha de prender na minha mochila, isso no auge da Família Dinossauros). É possível fazer coisa mais bonita com uma embalagem de leite, só puxando as abinhas – sem contar que a proporção é mais agradável. Só há uma coisa admirável nessa estátua: ela lembra realmente o Inri Cristo.


O único cristo monumental é o carioca. Todos os outros perenizam aquela lamúria: “Atirei pedra na cruz e acertei no saco de Jesus.”

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