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Etimopalpitológicas: pebolim, brizola, fazer bico

  • Foto do escritor: Álvaro Figueiró
    Álvaro Figueiró
  • 15 de dez. de 2022
  • 6 min de leitura

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Nalgum lugar da galáxia, algum Chomsky já falou:

- Tava jogando pebolim quando me chamaram pra fazer um bico. Iam me pagar em brizola.

Esse lugar da galáxia fica no parágrafo acima.

Nalgum lugar da galáxia, algum Meyer-Lübke já se perguntou:

- Qual a etimologia de pebolim, fazer bico e brizola?

Esse lugar da galáxia fica nos parágrafos abaixo.


1. Pebolim

Nunca me interessei pelo étimo de pebolim pelo nobre motivo científico de que a palavra soa coisa de paulista. Carioca fala totó. E, embora Campo Grande fique longe o bastante para ser tanto Zona Oeste carioca quanto Zona Leste paulistana, eu sempre me considerei menino do Rio – um Rio marítimo como Cuiabá, mas Rio. Então eu brincava de totó, eu comia biscoito, eu derrubava meus inimigos na quina do meio-fio. É verdade que o joelho, que os niteroienses chamam de italiano, nos meus pagos era enroladinho. Em Seropédica, estilingue já virava atiradeira; dar um ovinho, canetar; cogumelo, casa-de-sapo.

Nunca me interessei pelo étimo de pebolim... até agora.

E você também – pelo menos... até agora.

Dão pebolim como alteração do espanhol de futbolín, que também significa “totó”. O étimo exige gambiarra prosódica. Tem como explicar melhor. Mãos às manoplas!

Como se pode ler em qualquer obra fuleira sobre etimologia, no começo do século XX, com medicas dos estrangeirismos, nossos filólogos saíram cunhando vocábulos para substituir essa penca de bossa, gerigonça, bugiganga, firula e moda que nem brazuca nem portuga nem manolo nem cucaratcha bolava. Se você não desperdiçou sua puberdade nessa atividade curisiológica, eis alguns exemplos:


piquenique – convescote

abajur – lucivelo

menu – cardápio

pince-nez – nasóculos

carnê - coribel


A maioria michou, um ou outro colou.[1] Nada gerou tanta sanha neológica quanto o football. Os puristas escalaram todo o escrete do decalque, alguns com sonoridade de biela e manivela: balípodo, balópodo, ludopélio, pedibola, pedisfera, bolapé, pólo-inglês. Não duvido que algum nativista mais radical tenha sugerido composto tupi-guarani. Por outro lado, as rebimbocas do football sofreram nativização espontânea, o que explica a persistência de pares vocabulares, os ingleses favorecidos pelos coroas: beque/zagueiro, córner/escanteio, escore/tabela de pontos, quíper/goleiro. O avó dum amigo, jogador do Canto do Rio, pedia falta gritando foul.

Entre os grandes achados de 1918, ao lado da Gripe Espanhola, contam-se pebola ou só pebol, os decalques mais diretos de foot + ball.[2] Seu criador, o jornalista Paulo de Magalhães buzinou geral em prol do neologismo nas páginas do semanário carioca Vida Esportiva, inclusive, suspeito, no rigor do jornalismo profissional, publicando factóides: dois meses após o grande invento, “duas lindas ‘torcedoras’” no bonde falavam em pebol e até pebolista.[3] Otário nunca em falta, a perspectiva de romance bondista deve ter produzido toneladas de sonetos pebolísticos. Ontem como hoje, melhor que ter idéias, é problematizar palavras. Com pebol, enfim a magna civilização brasileira estava a salvo da selvageria britânica.[4] Um belo goal do nossos team purista.

Que pebol e pebola, de fato, tenham sido palavras empregadas há o testemunho da imprensa para além da Vida Esportiva. Vejamos alguns exemplos.

“Afinal depois de muito esmiuçar, conseguimos descobrir uma luta pebolítstica no Campo da Harmonia F. C. que media forças com o ‘forte e perigoso’ conjunto do S. C. Saúde.” (Dom Quixote, 07/01/1920, ano 4, número 139, p. 20). Se estás curioso sobre o resultado pebolístico, te conto que foi digno de rala-coco, 6 a – isto se não for factoide também.

Se você for de esquerda, vertente adventista-do-sétimo-dia, leiamos o jornal A Esquerda que mantinha uma seção Movimento Esportivo e uma subseção Football: “Telegrama procedente de Amsterdã traz a notícia de que o Comitê Internacional Olímpico decidiu, unanimemente, propor ao futuro Congresso a eliminação do ‘pebol’ dos programas dos jogos olímpicos.” (A Esquerda, 31/07/1928, p. 5)

Pebolim é a fossilização de pebol com sufixo diminutivo. Ou seja, pebolim é futebolzim. Num contexto quando havia vários termos concorrendo com football, pebol fruiu dalguma vitalidade, nem que fosse graças ao gosto pindorâmico pela sinonímia, sobretudo no meio jornalístico. A tirar por buscas na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, pebol cai em desuso completo na imprensa fluminense a partir da década de 1970. É possível que o termo tenha experimentado regionalização e constituído paulistismo. As primeiras menções a pebolim, na imprensa do Rio e de São Paulo, são mais ou menos coetâneas, de inícios da década de 1950, mas o termo parece ter origens paulistas. De fato, o vespertino carioca A Noite noticiava batida da polícia paulista contra estabelecimento que admitiam menores a bilhares e a pebolim, jogo se esclarece como “futebol de mesa”.[5] (Vocês sabem, queridos escoteiros-mirins, o pebolim leva a vícios mais pesados, como o preguinho, o futebol-de-botão e a corrida de chapinha...). Futbolín – dizem inventado pelo galego Alexandre de Fisterra durante a Guerra Civil Espanhola – pode ter sim influenciado em pebolim pela escolha do sufixo diminutivo: São Paulo tinha grande colônia espanhola. Apesar da sonoridade hoje tão alienígena quanto um “Porra, meu!”, é possível que a palavra pebolim já tenha sido mais usada no Rio.

E totó? Sem dúvida, porque o jogo consiste em dar totozinhos na bola.


2. Brizola

O leitor chincheiro sabe o que significa brizola, assim com bê minúsculo. O leitor que não é chincheiro também sabe. Em tese, esses dois conjuntos abarcam tudo o que há no Cosmos, colocando-me na perrengosa posição de buscar um terceiro conjunto que não seja

{chincheiros} ∪ {não-chincheiros}

para poder explicar o que é brizola. Enquanto você fica encucado aí com a pepinosa, a esse rarefeito terceiro conjunto excluindo chincheiros e não-chincheiros me deixe instruir que brizola é cocaína.

A etimologia popular vê em brizola a substantivação do antropônimo Brizola. Durante a primeira temporada do perfórmer Leonel de Moura Brizola no Grão Circo Flumínia, entre 1983 e 1987, o narcotráfico despirocou. Os narcotraficantes teriam batizado um dos seus principais produtos em homenagem ao benfeitor. A cronologia, contudo, é problemática. Já em 1981 se registrava a palavra.[6]

A melhor explicação remonta brizola ao francês prise, “dose de cocaína”, “porção pra cafungar”, “carreirinha”. Prise usava-se regularmente na imprensa e na literatura, mesmo depois que pararam de vender farinha-da-colômbia em farmácia. Havia, inclusive, derivações como prisotada.[7] Num diminutivo jocoso (como boiola, peitchola, graçola), cunhou-se prisola. Prisola virou brizola por duas razões: a) assimilação da consoante surda à líquida sonora e b) contaminação semântica de brisa, “estupor narcótico” ou coisa que o valha, você que é chincheiro sabe melhor que eu, um homem conservador, de família, que se contenta com cachaça vagabunda, rinha de galo e voierismo de sexo sem-teto. Já falei que sou conservador? Anotai, ó meus condiscípulos, a grafia correta da palavra seria, pois, brisola.

A única responsabilidade de Brizola foi dar sobrevida à gíria pela homofonia numa bandoleira década aspirador-de-pó. Ao suplantar prisola, obscureceu-se o étimo. A sociolinguística não é fascinante, queridos escoteiros-mirins?...


3. Fazer bico

Fazer bico significa várias coisas. O mais óbvio é zangar-se, quando a boca vira mesmo um bico. Mas e explicar bico como biscate?

Estou aqui pra isso.

Não tenho certeza, mas bico, apostando metade da minha fortuna, que, neste exato momento, o aplicativo do bolso traseiro diz-me dez reais e meio pacotinho de Trident, que o bico que você faz lavando um carro, matando algum desconhecido mais as testemunhas ou transcrevendo um papiro da Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional deriva de obra-de-bico. Para zoar o coreto, há também a palavra bico-de-obra. (Se são palavras ou locuções fica a cargo das sensibilidades lexicogênicas de cada um, porque nisso não há regra para nós lusíadas.)

Bico-de-obra, no Brasil e em Portugal, é trabalho difícil. Também é trabalho difícil explicar a lógica do composto: bico, como em bicudo, já deve subentender algo difícil (bico-de-obra deve referir-se à fase final duma obra, ou seja, os acabamentos). É também trabalho difícil ligar a dificuldade do trabalho difícil ao biscate, trabalho eventual. Bico fora bico-de-obra.

Obra-de-bico não dá tanto trabalho. De fato, é um bico que estou fazendo agorinha mesmo aqui na Repartição, em vez de cuidar da gestão do Centro de Altos Estudos Álvaro Figueiró que dirijo na Rua Regente Feijó. Entre os tipógrafos, quando eles existiam, obra-de-bico era a impressão de pequenas peças como convites e cartões, envolvendo mais firula que caracteres. É fácil meter o bico nessa: o bico é a boca do cliente que ia lá na tipografia e, em vez de apresentar laudas de texto, simplesmente falava o que queria impresso. Pro tipógrafo, devia ser molezinha.


[1] O clássico da ranhetice é Neologismos Indispensáveis e Barbarismos Dispensáveis, de Antônio Castro Lopes, de 1909. Como típico da época, não só se fulminam os estrangeirismos como também se pondera sobre a ortografia.

[2] Paulo de Magalhães, “Pebol”, Vida Esportiva, Rio de Janeiro, 19/10/1918, Nº 61, p. 6.

[3] Paulo de Magalhães, “Pebol”, Vida Esportiva, Rio de Janeiro, 07/12/1918, Nº 67, p. 12.

[4] Na melhor tradição da época, alguém protestou em versos pelo direito do football ser football. Vida Esportiva, Rio de Janeiro, 16/11/1918, Nº 64, p. 31: “Dizem uns ser eu balípodo ou balópodo; Apelidam-me pebol (e até febol!!!), Mas não há como a gente ser o eterno, Simpático e querido – football.” A polêmica persistiu nas páginas do semanário, um purista batendo-se por balípodo. Apareceu até o verbo “folipedipulsa” para shoota, coisa digna da tradução de Houaiss para Ulisses. A. d’Arcanchy. “Pé-bola ou Balípodo?” Vida Esportiva, Rio de Janeiro, 04/01/1919, Nº 71, p. 5.

[5] “Enérgica investida da polícia de jogos na capital paulista”, A Noite, 09/10/1955, p. 8.

[6] TACLA, Ariel. Dicionário dos Marginais. Rio de Janeiro: Forense, 1981, 2ª ed. [1968], p. 39. No testemunho de Ailton Batata, feito na década de 2010, menciona-se o termo brizola na década de 1970. Evidentemente o testemunho oral tem menos valor diante da fonte escrita, ainda mais em datação vocabular. Cf. ZALUAR, Alba Maria; FREITAS, Luiz Alberto Pinheiro de. Cidade de Deus: a história de Ailton Batata, o sobrevivente. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2017.

[7] TACLA, Ariel. Dicionário dos Marginais. Rio de Janeiro: Forense, 1981, 2ª ed. [1968], p. 76.

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